O texto a seguir não é inédito. Porém, como os valores negativos nele referidos ainda persistem na nossa sociedade, pareceu-me razoável repeti-lo nesta ocasião.
Seria truísmo ou verdade sabida dizer que o povo brasileiro ainda guarda sentimentos politicamente incorretos ou não consentâneos com a paz, o respeito e a solidariedade que se espera venham a reinar entre todos que integram uma nação pacífica, cordial e dialógica. Assim, é fácil perceber a arraigada índole de preconceito de raça, cor, gênero ou etnia que ainda sobrevive no espírito de muitos. Na mesma medida, também o chamado machismo que, quer queiram quer não, insiste em se fazer presente nas relações homem/mulher. Existem, como se sabe, mecanismos legais repressores de tal conduta, buscando sempre castigar quem ofende ou macula seus semelhantes com gestos, palavras, atitudes ou atos agressivos que venham a constituir injúria de natureza racial, ou mesmo o racismo puro e simples, que não têm mais lugar no mundo moderno.
No tocante ao decantado machismo, também existem meios eficazes e severos para coibirem a pretensa supremacia masculina sobre a feminina. Porém, a chamada ”Lei Maria da Penha”, que elenca os meios repressores da violência, de qualquer tipo, contra a mulher, ainda não foi capaz de nivelar a mulher como ser humano de iguais direitos aos do homem. A questão é de natureza cultural, entranhada no imaginário popular no sentido de que a mulher é propriedade do homem e como tal deve manter submissão ao comando e às vontades masculinas. E esse sentimento de que a mulher é um ser inferior e que deve sempre se sujeitar aos caprichos masculinos se perde na noite dos tempos. Apenas como exemplo veja-se o que aponta a escritora Luiza Nagib Eluf, em sua obra “A paixão no banco dos réus”: “No tempo do Brasil-colônia, a lei portuguesa admitia que um homem matasse a mulher e seu amante se surpreendidos em adultério. O mesmo não valia para a mulher traída. O primeiro Código Penal do Brasil, promulgado em 1.830, eliminou essa regra. O Código posterior, de 1.890, deixava de considerar crime o homicídio praticado sob um estado de total perturbação dos sentidos e da inteligência. Entendia que determinados estados emocionais, como aqueles gerados pela descoberta do adultério da mulher, seriam tão intensos que o marido poderia experimentar uma insanidade momentânea. Neste caso, não teria responsabilidade sobre seus atos e não sofreria condenação criminal ”.
É claro que a ótica legal hoje é outra. Mas, a despeito de todo o freio repressor da lei contemporânea, o sentimento de posse e de superioridade do homem em relação à mulher ainda persiste em determinadas faixas da população. Para esses machistas, a mulher não teria direitos ou vontade própria. Sua submissão ao amo e senhor deve ser absoluta e incontestável. E quando houvesse uma fagulha de revolta ou desobediência, a agressão seria devida como corretivo. Daí a necessidade dos integrantes desse universo em extinção repensarem seus valores e reverem seus conceitos. A ideia primária do macho provedor que domina e mantém a mulher e a prole é notoriamente antagônica à condição da mulher moderna, que escolhe seus próprios caminhos e traça seus planos para a vida.
Quem sabe se no futuro tais preocupações sejam apenas parte da história.

Décio Divanir Mazeto é Juiz de Direito em Marília

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