Para quem acompanha o mercado de ações mais de longe, com pontuais observações sobre a performance do nosso principal índice de valor de mercado das empresas negociadas no Brasil, o Ibovespa, talvez se espante ao ver que a pontuação do índice estava na casa dos 118 mil pontos no final de junho. Principalmente se, porventura, o leitor chegou a ver os 97 mil pontos em março, pois desde este ponto até o patamar atual estamos falando de 20% de incremento, em 3 meses. Mas já? Qual o motivo dessa alta toda? E por que tão rápido?

Os juros no Brasil continuam altos, o desemprego voltou a crescer no primeiro trimestre do ano, os juros estão subindo nas principais economias do mundo. Enfim, não sobrariam motivos para os investidores permanecerem cautelosos. Some-se a isso o efeito dessa alta dos juros na tomada de decisão dos investidores, que vêm fazendo saques dos seus fundos de ações e migrando para ativos de renda fixa. Tal movimento força os gestores a vender suas posições aos preços que estiverem disponíveis, independente de acharem o ativo ‘caro’ ou ‘barato’ precisam vender para honrar o resgate solicitado.

O que tem acontecido é uma somatória de fatores que têm mudado as expectativas dos investidores sobre o futuro da nossa economia. E isso já foi suficiente para a primeira onda de valorização dos ativos.

Uma armadilha na qual os investidores podem cair repetidas vezes é esperar pelo “momento perfeito”, que simplesmente não existe. A precificação de qualquer ação envolve a expectativa de retornos futuros por parte da empresa, e a medida leva em conta uma série de fatores, parte deles dependem da capacidade de execução da própria empresa e não tanto do cenário macroeconômico. 

Porém, caso o cenário “macro” não esteja favorável, é bem difícil de vermos a disposição dos investidores de tomarem risco e com isso comprarem ações de quaisquer empresas, boas ou ruins.

Uma dúvida para muitos é: dentre as variáveis macroeconômicas existe alguma que seja mais determinante para o mercado de renda variável? A resposta é que existe, e o nome dela aqui no Brasil é SELIC – Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, que é a nossa taxa básica de juros, que é utilizada para mensurar as outras taxas de juros do país. Existe inclusive uma máxima de mercado, uma espécie de regra de bolso: “juros para cima, bolsa pra baixo” e”juros para baixo, bolsa pra cima”. Em diferentes contextos, já vimos essa história se repetir algumas vezes ao longo dos ciclos de alta e baixa dos nossos juros.

Porém, voltando ao início da nossa reflexão, a SELIC está firme e forte nos 13,75%. E mesmo com o cabo de guerra entre Governo e Banco Central, que vêm trocando duras farpas, os cortes no nosso juro ainda não começaram. 

No entanto, tivemos alguns ganhos importantes que apontam um caminho de cortes nos juros ao longo dos próximos meses: a aprovação do texto do arcabouço fiscal trouxe uma ancoragem de expectativas em relação à incerteza que estava pairando sobre os gastos públicos e os dados de inflação locais (o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA) vêm apresentando uma escalada de preços mais controlada, pois estes dois fatores combinados trouxeram para o mercado uma expectativa de que o início dos cortes de juros deverá ocorrer a partir do final deste ano.

Essa previsão muda a forma como diversos grandes alocadores de recursos se comportam em relação à bolsa de valores no Brasil, sejam os gestores dos fundos de ações, fundos de pensão ou os investidores internacionais. Toda essa turma é famosa por entrar com o chamado “smart money”, ou dinheiro inteligente numa tradução livre, pois são eles que normalmente pegam este primeiro movimento do mercado, talvez por serem justamente os agentes que estão equipados com equipes de análise micro e macroeconômicas revisando as expectativas a cada nova informação que vai à público.

Existem mercados onde se opera a expectativa dos juros futuros brasileiros, que indicam que enquanto no final do ano passado a expectativa dos juros se manteve relativamente estável na casa dos 13%, ao longo dos próximos 6 anos, hoje, estes mesmos mercados precificam uma SELIC média de aproximadamente 10,5% para o mesmo período. Esta re-precificação da expectativa dos juros aconteceu junto da subida recente do Ibovespa. Coincidência? Acredito que não. 

Conforme já afirmado aqui, existe uma correlação negativa entre juros e bolsa, independentemente do contexto, sendo que essa máxima vem se confirmando sempre que o BACEN iniciou seus ciclos de corte ou de alta dos juros. Podemos citar aqui uma frase famosa de Mark Twain, escritor norte-americano, bastante utilizada na literatura de mercado financeiro: “A história não se repete, mas rima.”

Como isso se traduz na forma de lidar com os seus investimentos? Bem, talvez fique mais claro a partir dessa percepção o porquê do mercado de renda variável ser considerado um mercado de risco. A hora mais ‘correta’ de comprar ações talvez seja quando o senso comum ainda indica que não é o momento mais propício. Normalmente, quando esperamos a melhor hora podemos acabar perdendo uma boa parte do movimento de alta.

Para extrair resultados interessantes nos seus investimentos em ações o seu comportamento precisa ser anti-cíclico, tomando risco quando a maioria não gostaria de tomar, e talvez inclusive quando o noticiário ainda aponta somente pessimismo no horizonte. Então, de forma inversa, quando for consenso que a bolsa é o cavalo da vez e todo mundo quiser participar da festa na renda variável, pode ser que esse seja o momento de realizar os ganhos.

Cuidado com o uso desregulado do parágrafo anterior como regra de bolso! Nenhuma queda da bolsa é tão grave que não possa ser seguida por outra(s). Vide o crash do mercado em março de 2020, no qual os circuit breakers, um mecanismo que impede a realização de toda e qualquer operação na bolsa de valores quando há um momento crítico no mercado de crise ou de temor, se acumularam ao longo de algumas semanas, com direito a mais de dois no mesmo dia. O segredo aqui é saber identificar quais são as luzes no fim do túnel, quais são os dados/informações que podem trazer uma esperança de melhoria de cenário e que sejam capazes de gerar uma virada nas expectativas. Por se tratar de algo subjetivo e que demanda um bom entendimento sobre o cenário, me pergunto se podemos chamar isso de segredo mesmo.

Uma leitura atenta ao cenário de forma constante pode ajudar a identificar as temáticas elencadas pelos investidores como sendo as mais importantes. Neste primeiro semestre de 2023, tivemos no palco central o arcabouço fiscal e os dados de inflação, com foco na possibilidade de ambos realizarem a inauguração de um novo ciclo de baixa da SELIC. Ao mesmo tempo que estar atento a estes temas é importante para tomada de decisão correta, a formação de expectativas em momento oportuno para encontrar pechinchas na bolsa demanda uma dose forte de personalidade. Isso porque quando o mercado está em baixa, o noticiário e o sentimento geral é de puro pessimismo. 

Desta forma, a impressão geral dos investidores ao ver os primeiros movimentos de alta no mercado de ações é quase a mesma de se ver uma flor que nasce no concreto. É belo, mas está sendo gerada em meio a um ambiente muito hostil e árido. Cenários bem relacionados a este movimento se repetem a cada trimestre, durante a temporada de balanços. Quantos investidores iniciantes não se frustram ao ver que a ação de uma determinada empresa não subiu após reportar um dos maiores lucros da sua história? Bem, a explicação para isso não é difícil, e pode ser resumida em uma palavra: Expectativas.

A expectativa das casas de análise, gestoras, bancos e etc. moveram o preço do ativo até o patamar onde ela se encontra antes da divulgação dos resultados. Após o anúncio o que acontece é um ajuste do preço frente ao que foi realizado. Não é raro ver investidores iniciantes se frustrando com o comportamento de uma ação após a divulgação de um balanço.

As grandes oscilações repentinas, para cima ou para baixo, são fruto de divulgações de fatos relevantes que estavam sob sigilo absoluto, seguindo as regras da Comissão de Valores Mobiliários – CVM sobre a divulgação de fatos que podem ser determinantes para a precificação de empresas negociadas em bolsa. Ou então fruto de fatos externos às empresas que mudam de forma repentina a maneira com que os investidores percebem risco. Como exemplo podemos citar o 11 de Setembro, onde o atentado às Torres Gêmeas causou uma forte queda nas bolsas ao redor do mundo, pois a percepção de risco dos investidores mudou drasticamente (para pior) devido à ocorrência de um fato totalmente inesperado.

Alguns estudiosos do mercado financeiro chamam estes fatos imponderáveis que mudam o rumo das expectativas de uma hora pra outra de “Atos de Deus”, traduzindo uma percepção de que são ocorrências totalmente inesperadas. Porém, esse conceito se aplica de forma literal quase que somente aos atos da Natureza, visto que qualquer evento onde existem seres humanos envolvidos está sujeito à ocorrência de alterações, incluindo o crime de insider trading, que é o uso de informações confidenciais capazes de oferecer para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários.

Quem já assistiu ao filme “Sequestro do Metrô 123” talvez se lembre do vilão (John Travolta) especulando a queda da bolsa de valores de Nova York enquanto sequestrava um dos metrôs da cidade.

No entanto, o ponto aqui é justamente refutar a ideia de que precisamos de uma bola de cristal para tomarmos boas decisões nos investimentos em renda variável. De forma oposta, o mais importante para isso é uma boa leitura do presente, buscando se esquivar dos vieses que podem nos tornar muito pessimistas na hora de ser otimista ou mesmo, o contrário. Inclusive, o investidor médio normalmente não tem identificação com os mercados de renda variável justamente por comprar ativos “caros” no momento onde a confiança parece óbvia e por amargar perdas nestas mesmas posições vendendo “ações baratas”, por não acreditar que existe um horizonte positivo.

Após a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciar a pandemia de COVID-19, no dia 11 de março de 2020, as bolsas pelo mundo inteiro entraram numa espiral de fortes quedas que não pareciam ter fim, ou que ocorreria uma recuperação tão cedo. Porém, o Ibovespa teve seu pior fechamento no dia 23/03/2020, e apresentou forte valorização a partir deste ponto. Sendo que,12 dias após o anúncio da OMS não havia nenhuma vacina disponível (as primeiras vacinações contra a COVID-19 no mundo aconteceram em meados de dezembro de 2020), mas os anúncios de pacotes de resgate da economia de bilhares de dólares ao redor do mundo foram suficientes para os investidores começarem a fazer contas e perceber que talvez os preços já haviam caído demais. Bastou o surgimento de uma fonte de esperança, e não uma erradicação completa do vírus, para as bolsas ao redor do mundo voltarem a subir novamente.

O entendimento sobre a mecânica do mercado em relação às expectativas é que pode tornar a tomada de decisões mais inteligente e realizar o ajuste necessário no seu timing nos seus investimentos. E agora? O que vemos pela frente? Para o segundo semestre de 2023, a reforma tributária já tem aparecido no discurso dos grandes alocadores como algo a ficar de olho, assim como a trajetória de subida dos juros dos Bancos Centrais Americano e Europeu.

O foco agora talvez seja um pouco diferente do início do ano por um detalhe somente: a busca agora não é por um ponto de inflexão, mas talvez por possíveis fatos ou acontecimentos que podem estragar a festa para os ativos de risco brasileiros.

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Artigo – Bolsa de Valores e expectativas para o segundo semestre