O professor de psicanálise e psicanalista Ronaldo Coelho, da capital paulista analisa quais as expectativas que despertam quando uma pessoa tem o desejo, que pode ir desde “se parecer” até “se tornar” a outra pessoa, como no caso, a boneca tão famosa mundialmente que chaga aos cinemas na próxima quinta-feira, dia 20/07. O que isso acarreta emocionalmente a essa pessoa e como explicar essa fixação?

Para explicar como funcionaria uma forma de investigação analítica que pudesse dizer do estado psíquico atual e os efeitos possíveis de uma transformação dessas em uma pessoa Ronaldo propõe, por exemplo, imaginar uma situação em que uma pessoa quer se parecer com a Barbie para ganhar fama e prestígio, conseguir se promover profissionalmente e conseguir sucesso nesta direção.

“Caso suas expectativas sejam atingidas, estamos diante de uma história triunfante que pode trazer efeitos positivos em diversas esferas de sua vida, inclusive quando estamos falando do ponto de vista psicológico. No outro lado do espectro, imagine alguém que quer ser a Barbie para deixar de ser quem é, para ser amada e tratada como, em sua fantasia, a boneca é. Neste caso estamos falando de uma situação que sugeriria o desejo de realização (no sentido de tornar real, concreto, palpável) de uma espécie de delírio de Barbie. A probabilidade que essa pessoa se sinta falhando miseravelmente ao perceber que as mudanças que realizou não transformaram a sua vida como havia inicialmente sonhado, é exponencialmente maior do que no caso hipotético anterior. Diante deste cenário, ao falhar, a pessoa que já tinha alguns problemas e insatisfações consigo mesma, às quais esperava superar dessa forma, investindo dinheiro e muita esperança, pode adoecer”, alerta o professor de psicanálise.

Existem perigos psicológicos dessa fixação?

Ronaldo explica que, de acordo com o DSM-5 (O Manual Diagnóstico Estatístico dos Transtornos Mentais, em sua 5ª Edição) o termo transtorno deve ser empregado para aquilo que causa sofrimento significativo para a pessoa e/ou perda ou dano para sua vida e/ou à vida de outras pessoas.

“Temos que considerar que os avanços tecnológicos trazidos pelos smartphones e redes sociais têm papel importante em um modo de se constituir psiquicamente que é novo para nós como humanos. A imagem tem ganhado lugar de destaque e muitas vezes o parecer importa mais, a ponto de se sobrepor ou mesmo substituir o ser. Neste sentido, para uma analítica da subjetividade que leve em conta a singularidade e não se renda a dimensões teóricas ou diagnósticas estereotípicas, seria necessário considerar essas duas dimensões (das transformações sociais e se há presença de algum tipo de transtorno) para verificarmos caso a caso como essa fixação aparece para cada um”, fala.

É possível, por exemplo, que alguém consiga viver o desejo de se parecer com outra pessoa sem que isso signifique um grande transtorno para sua vida ou de outras pessoas. Bem como é igualmente possível imaginar que alguém possa ter a fixação em se tornar a outra pessoa como forma de substituição ou anulação da própria identidade, o que traria ainda uma outra compreensão.

“Neste extremo podemos estar diante de alguém que rejeita o próprio corpo por completo, a própria aparência, que submete sua identidade à de outra pessoa. É difícil imaginar uma situação como essa onde não haja sofrimento ou uma repressão completa desse sofrimento de ser quem se é ganhando a forma de desejo fixo de ser outra pessoa a ponto de se transformar fisicamente nela, inclusive quando essa “outra pessoa” é uma boneca. Contudo, o espectro é bastante amplo e não podemos deixar de fora o papel que as redes sociais, e também a mídia, têm para dar voz e lugar a quem embarque nesta jornada de transformação”, fala.

“As situações podem ser tão múltiplas e singulares que é possível imaginar alguém que encontre aí, diante dos likes e holofotes recebidos, um caminho para se constituir subjetivamente de maneira a cuidar de um sofrimento, de “curar-se” de um suposto transtorno, indo contrariamente a um eventual prognóstico ruim”, completa Ronaldo.

Contudo, para o especialista, é igualmente verdade a probabilidade dessa expectativa ser frustrada e a pessoa vir a adoecer, ou que já apresente um nível de sofrimento significativo mesmo antes de iniciar os procedimentos de transformação.

“Em qualquer uma das situações, o tratamento psicanalítico se destina a cuidar do sofrimento, e não do desejo de se parecer outra pessoa, como se a pessoa tivesse que mudar sua escolha – não necessariamente. A análise incidirá no cuidado com as expectativas criadas e, no caso em que a tentativa de “se parecer” ou de “se tornar” visava “curar” algum tipo de ferida, a análise nos levará a essas feridas para que, uma vez cuidadas de maneira que efetivamente esse sofrimento possa encontrar acolhimento e compreensão, cicatrizem”, fala Ronaldo.

O psicólogo ainda fala que a análise age no processo de reconstrução de uma pessoa. Assim como acontece com as feridas do corpo quando recebem o tratamento adequado, as mesmas feridas psíquicas também se fecham de modo que a dor não mais impossibilite o paciente de seguir o caminho que imprimiu para si. “Muitas vezes, como nos mostra a experiência clínica, os caminhos e seus sentidos são tecidos concomitantemente ao processo de cicatrização das feridas no processo de análise”, finaliza o professor de psicanálise.

Mayra Barreto Cinel – Comunicação

Assessoria de Imprensa

(11) 9.9986-8058

Sobre Ronaldo Coelho

É idealizador e professor do curso Análise do Discurso na Clínica Psicanalítica, que tem por objetivo formar psicólogos e psicanalistas para realizarem uma análise consistente de seus pacientes desde a primeira sessão. Atua como psicanalista em seu consultório particular e mantém o canal Conversa Psi no YouTube.

Graduado em Psicologia (USP) e Mestre em Psicologia Institucional (USP). Foi professor de Psicologia Médica do curso de graduação de Medicina (UNIFESP) e preceptor da Residência Multiprofissional em Saúde (UNIFESP). Trabalhou em hospitais como Hospital São Paulo e Hospital Universitário da USP, onde, além da assistência aos pacientes e familiares, realizava supervisão clínica de atendimentos psicológicos desenvolvidos por estudantes e psicólogos, orientação de pesquisas e aulas em Psicologia Hospitalar.

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Barbie e a perfeição. Psicanalista analisa. Vale a pena conferir!