Uma parte importante do trabalho dos gestores públicos é a definição das providências a se tomar para a melhoria da segurança no trânsito. A extensão dessas providências passa pelo reforço na sinalização, ações de comunicação com os atores do trânsito, educação das gerações atuais e futuras, obras de engenharia e medidas moderadoras de tráfego.
Hoje, a abordagem tradicional da segurança viária passa quase que de maneira obrigatória pela “contagem de corpos”. Dois dos indicadores mais amplamente utilizados são: a quantidade de sinistros em um determinado local/período; e a quantidade de mortos e feridos. Apesar desses indicadores representarem inquestionavelmente o risco do local, cabe a reflexão se esta é a melhor abordagem para a segurança e, especialmente, para a prevenção de mortes no trânsito.
O conceito do Visão Zero, criado na Suécia em 1997, tem como principal premissa que nenhuma morte no trânsito é aceitável. Desta forma, fica a seguinte questão: por que a segurança viária ainda se baseia na contagem de mortos e feridos para determinar as ações a serem tomadas?
De forma incontestável, mortos e feridos são o indicativo final do fracasso da segurança viária, pois sinistros de trânsito, em sua maioria, são evitáveis. Nesta linha, de que “não foi acidente”, promoveu-se a mudança da nomenclatura no Código de Trânsito Brasileiro, pois, ao menos no idioma falado no Brasil, “acidente” tem conotação de algo inevitável, uma obra do acaso. Mas, além da nomenclatura que se dá para o sinistro de trânsito, é essencial refletirmos sobre a forma como se planeja a segurança viária.
 Adicionalmente, nas ações de planejamento se observa que a justificativa para alguma ação de prevenção nem sempre é um caso isolado – a não ser casos emblemáticos – mas sim uma sequência de sinistros fatais ocorridos em um local. Em outras palavras, precisa morrer gente – e bastante gente – para que se justifique a tomada de medidas preventivas. Não é mais possível basear ações de segurança de trânsito na contagem de corpos.
Neste contexto, aderente ao Visão Zero, o planejamento hoje reativo deve ser transformado para avançarmos como uma sociedade que se preocupa com a vida. Já existem tecnologias disponíveis que permitem prever a ocorrência de sinistros com base na análise do comportamento dos condutores. Mudanças de faixa repentinas, uso excessivo de buzina, acelerações e frenagens bruscas são comportamentos que podem ser detectados de forma automática e catalogados por sistemas que trabalham com grande número de dados (Big Data).
Atualmente, as cidades também já estão equipadas com câmeras e radares inteligentes que analisam o tráfego em tempo real, e que são capazes de rastrear veículos ao longo de uma seção da via, analisando os movimentos, acelerações e frenagens. Estas tecnologias permitem identificar locais de risco potencial, para que o gestor de trânsito aja antes da ocorrência de um sinistro que possa levar a mortes.
Foi realizado na cidade de Curitiba (PR) um estudo que visa identificar e catalogar de forma automática a ocorrência de frenagens bruscas. A frenagem brusca pode levar a perda de controle do veículo, o que pode resultar em sinistros de trânsito. Este estudo revelou algumas situações. A primeira: frenagens bruscas estão associadas à baixa visibilidade nos locais fiscalizados, o que é um indicativo para o reforço na sinalização de trânsito. Segunda: verificou-se forte correlação entre a ocorrência de frenagens bruscas e o excesso de velocidade.
O controle de velocidade é um pilar fundamental para reduzir a quantidade de mortes e feridos no trânsito, segundo a Organização Mundial de Saúde. A ONU lançou a “Segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito”, que tem como objetivo reduzir a quantidade de mortes do trânsito em pelo menos 50% entre 2021 e 2030. Durante a Primeira Década (de 2011 a 2020), o Brasil reduziu em 30% a quantidade de mortes no trânsito. Foi uma evolução, mas ainda há muito por fazer.
Atualmente tramita no Congresso Nacional o PL 2789/2023, que propõe limitar a velocidade nas vias urbanas em 50 km/h, com a possibilidade de a autoridade de trânsito local alterar esses limites. Além disso, prevê a fiscalização por velocidade média, com a finalidade de coibir excessos de velocidade em trechos de vias urbanas e rurais. A conversão em lei desta proposição é um avanço importante para a melhoria da segurança de trânsito no Brasil, para batermos a meta proposta pela ONU, e para termos garantido nosso direito constitucional de ir e vir em segurança. 

*Régis Nishimoto é engenheiro eletricista e mestre em informática industrial pela UTFPR. Diretor Técnico da Perkons desde 2012, iniciou sua jornada em 2002 como engenheiro de desenvolvimento. Também é Diretor Técnico da ABEETRANS e membro da Câmara Temática de Engenharia de Tráfego e Sinalização de Trânsito do CONTRAN.
 

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Contando corpos não salvamos vidas. Veja novidades e medidas necessárias por parte dos gestores públicos. Pelo especialista Régis Nishimoto