Em janeiro de 1998, o Rio de Janeiro ganhou uma nova opção de lazer, o Terra Encantada. O parque temático chegou à cidade de forma ambiciosa, prometendo investimento de US$ 200 milhões em um terreno de 300 mil m² na Barra da Tijuca. Mas o sonho carioca se transformou em uma história marcada por dívidas, acidentes e planos que não saíram do papel.
O projeto inicial previa que o parque teria 30 atrações, entre elas a maior montanha-russa da América Latina, um castelo inspirado no do Magic Kingdom e um show de águas em um lago de 20 mil m².
O parque também deveria contar com 142 salas comerciais, ocupadas por negócios como restaurantes e lojas de lembrancinhas.
Apesar da inspiração nos Estados Unidos, o tema pensado para o Terra Encantada era a cultura brasileira, com personagens como o mico leão dourado e o boto cor-de-rosa presentes entre os visitantes.
Hoje professor universitário, Américo Pinto foi convidado para ser gerente de operações do empreendimento em novembro de 1997, enquanto trabalhava para uma empresa de consultoria que atuava nas obras.
Animado com a proposta financeira aos 25 anos, ele aceitou o desafio, mas confessa que percebeu problemas já na inauguração.
“O parque foi inaugurado com suas principais atrações ainda fora de operação, dezenas de lojas fechadas, instalações ainda em obras e o preço do ingresso mantido em R$ 30, apesar de boa parte dele estar inacessível.”
Em janeiro de 1998, quando a Terra Encantada começou a operar, o salário mínimo no Brasil era de R$ 120 – ou seja, apenas um ingresso “engolia” 25% dele.
“Só 15 das 24 atrações estavam disponíveis ao público. As outras não estavam 100% completas, entre elas a (montanha-russa) Monte Makaya, e o público só descobriu isso já estando lá dentro. Algumas pessoas acabaram pedindo a devolução dos ingressos por causa disso. Passadas estas questões, o parque conseguiu ter um ótimo rendimento no ano de inauguração”, conta José Roberto Vilafranca, frequentador assíduo do parque e dono de uma página que reúne lembranças de quem passou por lá
A “Disney carioca”, como foi apelidada por frequentadores, teve sua primeira crise financeira com apenas seis meses de funcionamento — e foi assombrada por sucessivos problemas até seu fechamento definitivo, em 2010.
Lenda no Rio, “chinês da Barra” foi um dos idealizadores do projeto
O projeto era liderado pelo Grupo Empreendedor, união entre as empresas TOR Empreendimentos e ESTA Comércio – responsável por obras conhecidas no Rio, como o Barra Shopping.
Os dois uniram forças em 1991, mas o projeto foi anunciado apenas em julho de 1995, em um evento no luxuoso Copacabana Palace.
Segundo os investidores, nos primeiros cinco anos, a Terra Encantada seria administrada pela americana ITPS, que tinha entre seus clientes os parques da Universal Studios, nos Estados Unidos.
O Grupo Empreendedor colocou US$ 115 milhões no projeto. Seis patrocinadores (Garoto, Coca-Cola, Kibon, Kodak, Kaiser/Heineken e Petrobrás) investiram US$ 30 milhões.
O Bank of America e o Serpros, fundo de pensão do Serviço Federal de Processamento de Dados, entraram com US$ 20 milhões cada. E o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financiou US$ 50 milhões, segundo a Folha de São Paulo.
O nome mais conhecido entre os investidores brasileiros era o de Tjong Hiong Oei, mais conhecido no Rio como o “chinês da Barra”.
Nascido em Singapura, ele ganhou o apelido (geograficamente incorreto) nos anos 1970, quando migrou para a capital fluminense e decidiu investir em terrenos na Barra da Tijuca, até então pouco habitada.
Anos depois, a área passou por uma forte valorização e os terrenos baratinhos viraram grandes empreendimentos, enriquecendo o empresário.
Ele morreu em 2012, aos 89 anos, mas já tinha saído da sociedade em 2007, ao lado de outros quatro dirigentes importantes: Rodney Kien Hwa Oei – filho de Tjong -, Danilo Rocha Rangel, Roberto Alves Secchin e João Ricardo Morcillo.
Danilo também já morreu. Em 2022, aos 63 anos, ele foi atropelado por um ônibus na orla do Leblon.
Pedidos de falência começaram no 1º ano de parque
O início do Terra Encantada foi marcado por atrasos na data de inauguração, que deveria ter sido seis meses antes do que aconteceu.
“Era previsto que o parque fosse inaugurado no Dia das Crianças, em outubro de 1997, mas acabou não acontecendo. A gente tinha mais ou menos uns 600 funcionários nessa ocasião. Houve um adiamento inicial para dezembro, que também não foi cumprido. E acabou que ele inaugurou só em 15 de janeiro”, contou Américo.
Uma inesperada falta de movimento fez o parque entrar em crise já em junho de 1998, quando uma série de credores entraram com pedidos de falência no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
A crise ficou ainda mais profunda depois que o empreendimento perdeu uma injeção financeira da Previ – o fundo de pensão do Banco do Brasil – que entraria com uma participação de R$ 60 milhões. Em meio a análises sobre a situação das contas, a fundação deu pra trás.
Notícias da época diziam que o preço do ingresso tinha caído pela metade.
Em meio às questões operacionais, o histórico de incidentes também atrapalhou a “fama” do lugar e foi mais um elemento para o fracasso do projeto.
Morte em montanha-russa foi estopim
Janeiro de 1998: após inauguração, Ísis de Oliveira sofreu lesão na coluna cervical. A atriz, irmã de Luma, passou a sentir dores no pescoço após andar no brinquedo Cabum, uma torre de queda livre de 67 metros de altura. Ela teve que passar por cirurgia e alegou que se machucou com o impacto da atração. Os advogados do parque contestaram, afirmando que ela já sofria de problemas na coluna e que, na entrada para o brinquedo, havia uma lista de contraindicações. A Justiça do Rio acolheu o argumento e absolveu a Terra Encantada.
Março de 2002: em show do Charlie Brown Jr., briga generalizada resultou em 61 feridos. A banda foi contratada para tocar na festa de calouros da Universidade Estácio de Sá, em 18 de março de 2002, mas decidiram deixar o palco após ver um tumulto. “Quando pararam de tocar, eles (o público) se revoltaram”, contou o gerente comercial do parque, Maurício Maquieira, à Folha. Os músicos ainda voltaram ao palco para evitar que a confusão aumentasse. Quatro pessoas foram detidas e 61 ficaram feridas.
Agosto de 2005: rapaz cai da montanha-russa Monte Aurora. Franck Ribeiro Sousa, que tinha 28 anos à época, caiu de uma altura de 4 metros durante uma festa no parque, sofrendo traumatismo craniano. Em 2010, com ele já recuperado, o parque alegou que a vítima havia soltado a trava de segurança, mas o TJ determinou o pagamento de uma indenização de R$ 52,2 mil.
Junho de 2010: Heydiara Lemos Ribeiro, 61, morre após cair da mesma atração. A mulher, que visitava o parque ao lado da filha, despencou de uma altura de 10 metros. Marcos Vinicius Gomes dos Santos, que dirigia o parque, e Arlen Sandeuscristo Simplício, engenheiro, chegaram a ser denunciados pelo homicídio culposo, mas foram inocentados em 2013. A juíza Daniella Alvarez Prado, da 35ª Vara Criminal do Rio, destacou que, apesar de um laudo apontar problemas na posição das barras de segurança, os peritos “não souberam informar qual teria sido, efetivamente, a causa do acidente”.
Parque foi lacrado em 2010 e desmontado seis anos depois
Após a morte de Heydiara, o parque foi lacrado para perícia — e nunca voltou a funcionar. Sua estrutura foi demolida em 2016.
Em 2010, os dirigentes responsáveis pelo parque eram Marcos e Celso Antonio Gondim Dias. Nossa tentou contato com os dois para conversar sobre seu tempo liderando o projeto, mas não teve retorno.
Foi o estopim após anos buscando formas de equilibrar as contas. Em 2005, o gerente comercial do parque já afirmava que o Terra Encantada buscava negociar a dívida ou uma venda para algum grupo estrangeiro.
No início dos anos 2000, o Terra Encantada ainda alugou uma área do parque para uma igreja evangélica e outra para a Universidade Estácio de Sá, de quem recebia R$ 150 mil ao mês pela locação, mas nada foi suficiente para superar os prejuízos.
Destino de terreno é mistério
O terreno do Terra Encantada foi comprado em 2013 pela Cyrela em sociedade com a Queiroz Galvão por cerca de R$ 1,5 bilhão.
Segundo o Globo, a ideia era construir empreendimentos comerciais e residenciais no local, mas o projeto nunca saiu do papel.
Oito anos depois, em nota, a Queiroz Galvão informou que “não tem mais qualquer participação ou propriedade no referido terreno”.
Já a Cyrela, que continua dona do espaço, afirmou que “está desenvolvendo novos projetos para a área”, mas sem dar mais detalhes.
Com informações de UOL
Fonte: Diário Brasil Noticias