Na época em que o Brasileiro ainda se importava com a Fórmula 1 houve um fim de semana no qual a grande discussão era qual deveria ser a estratégia do Rubens Barrichello. Ele havia se classificado em primeiro lugar nos treinos e teria Schumacher e outros grandes pilotos nas posições seguintes. Alguns diziam que ele deveria fechar a passagem para um lado, outros achavam que devia retardar a freada para outro lado.
A questão foi levada então ao tricampeão Nelson Piquet, famoso por suas opiniões claras, polêmicas, mas quase sempre certas a respeito do que acontece nas pistas. Como era esperado, ele resumiu a questão demonstrando uma visão muito mais arrojada e assertiva. Sua posição foi resumida numa frase que dizia mais ou menos o seguinte: Quem está na frente tem que se preocupar somente em acelerar. O que está atrás é problema dos outros.
O conceito de Piquet pode ser transferido para os debates que o Brasil tem travado a respeito da mobilidade urbana. O preço da gasolina. A interferência ou não do governo na direção da Petrobrás. A necessidade ou não de oferecer subsídios fiscais para manter e atrair montadoras multinacionais. Todas essas e muitas outras questões que têm preenchido páginas de jornais há décadas, estão novamente ocupando corações e mentes. O problema é que elas mantêm o Brasil olhando para trás enquanto outros competidores já miram a dianteira e aceleram.
Só para dar um exemplo, os brasileiros ainda discutem sobre a formatação de uma política de impostos que leve à redução do preço dos combustíveis fósseis. Por outro lado, as nações desenvolvidas já estão avançando em direção a metas ambiciosas de produção e circulação dos carros elétricos.
O recém-eleito presidente dos EUA, Joe Biden, por exemplo, começa a dar os primeiros passos para alcançar sua meta de construir cerca de 500 mil novas estações de carregamento para veículos movidos a eletricidade espalhadas pelo território americano, trocar toda a frota do governo, substituindo os veículos a combustão pelos eletrificados. A proposta inclui, ainda, financiar a transição das montadoras para modelos mais limpos e um maior suporte para as pequenas empresas iniciantes no segmento.
Na Europa, o objetivo declarado é chegar em 2035, ou seja, daqui a menos de 15 anos, com apenas veículos elétricos sendo comercializados. Isso significa que em uma década e meia nenhum europeu poderá mais comprar um carro a diesel ou a gasolina.
É óbvio que uma mudança de paradigma deste tamanho não se faz de uma hora para outra, mas a experiência do desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19 provou mais uma vez que havendo uma conjunção de forças interessadas numa solução ela acontece no menor tempo possível e com resultados satisfatórios.
Significa que o Brasil não pode e não deve abandonar repentinamente as grandes discussões sobre os preços da gasolina, por exemplo. Mas, por outro lado, deve começar imediatamente a aplicar mais foco em discussões sobre temas ligados ao futuro da mobilidade.
Só para ter uma ideia do quanto o País está atrasado nesta corrida, em 2020 a indústria nacional teve o melhor ano de vendas de carros elétricos da história, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). Apesar disso, a frota elétrica do país ainda corresponde a apenas 1% do mercado total de veículos.
Uma das formas de começar a sair das últimas posições seria trazer para a ordem do dia o Projeto de Lei 3174/20 que tramita na Câmara desde outubro e prevê corte de impostos, troca da frota do governo federal e criação de linhas de crédito prioritárias para a produção de veículos elétricos no país.
O texto propõe, entre outras coisas, que os veículos elétricos passarão a contar com isenção total de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Já os modelos híbridos (com propulsão elétrica e convencional) terão redução de 50% no tributo.
Olhar para o retrovisor é importante, mas para quem quer ganhar, olhar para frente e acelerar é muito mais.

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Debate sobre mobilidade urbana no Brasil ainda está focado no retrovisor