O delegado de polícia Jorge Lordello se tornou especialista em estatísticas sobre roubos na cidade de São Paulo. Ele atuou por 28 anos como delegado. Durante e depois de sua atuação na delegacia, ele passou a realizar pesquisas na área, com mais de 3,5 mil artigos escritos e vários livros publicados em 28 países, entre outras atividades.
Lordello costuma apresentar, em condomínios, algumas dicas para evitar assaltos, que, de acordo com levantamentos feitos por sua equipe, têm mudado de características nos últimos anos. Assim como os roubos nas ruas, hoje muito mais direcionados a celulares.
“A criminalidade é cíclica, vai se alterando”, afirma ele a Oeste. “Ela vai buscando melhores situações para obter lucros. A criminalidade está muito atenta às próprias mudanças da sociedade.”
Veja algumas considerações e dicas do delegado sobre segurança nas ruas e nos condomínios.
Diminuição dos arrastões
“Há alguns anos, ocorreu uma onda de arrastões em condomínios residenciais. O nome pegou muito na mídia. O arrastão era uma modalidade muito violenta, na qual criminosos entravam no prédio ao pular o muro, pela garagem ou pela portaria, rendiam o porteiro e assaltavam diversos apartamentos, causando pânico. Isso perdurou por algum tempo em São Paulo e outras grandes cidades. Mas os condomínios e os síndicos começaram a tomar uma série de medidas para impedir o arrastão.”
O que mudou
“Durante a pandemia e com a introdução do Pix, em outubro de 2022, os arrastões diminuíram. Há quase dois anos não se registram assaltos armados em condomínios em São Paulo nem no Brasil. Isso é uma surpresa para muitos. No lugar, surgiu uma nova modalidade de crime, na qual adolescentes e jovens enganam os porteiros e entram nos prédios. Utilizando chaves de fenda, eles arrombam apartamentos que já foram previamente observados, geralmente em áreas de classe média alta e classe alta, sabendo se os locais possuem joias, dinheiro ou estão vazios.”
Golpes virtuais
“Outra modalidade que está sendo aplicada em condomínios são os chamados golpes virtuais. Tais crimes digitais são cometidos contra moradores que não estão atentos aos meios de pagamento. Existe hoje nos prédios um aumento do número de pedidos por delivery. Os criminosos também verificam como esse novo fenômeno está ocorrendo.”
Conferir um pedido de delivery
“Os prédios hoje recebem muita mercadoria. Os criminosos resolveram aplicar golpes nesses moradores, ou seja, o morador recebe lá alguém que ele acredita ser um entregador. E é ludibriado, quando pegam o número do seu cartão e até quando se permite ser fotografado ou assinar algo. A foto se torna um meio facial para conseguir um empréstimo em nome do morador. São crimes digitais do tipo estelionato.”
Os erros de avaliação
“Os números mostram que o arrastão, de um modo geral, está no passado. Só que a gente verifica prédios ainda com esquemas de segurança voltados para impedir o arrastão. Isso é necessário, mas não se pode esquecer de verificar as novas questões, que é a penetração no prédio por falha única e exclusivamente do porteiro ou de um morador.”
Capacitação necessária
“Seja com portaria orgânica [funcionário do prédio] ou terceirizada, os profissionais não passam pelo treinamento devido. Nem o prédio, quando o contrata o funcionário, investe diretamente em treinamento. Como as empresas de terceirização de mão de obra têm dificuldade em capacitar o seu funcionário, muitas já o colocam para trabalhar direto com o cliente. Para aprender no dia a dia. Assim, os criminosos conseguem ludibriar os porteiros, entrar, arrombar portas e sair na maior cara de pau com os os pertences dos moradores.”
O que deve ser feito
“Um funcionário capacitado, logicamente, não vai abrir um portão para uma pessoa que não tenha autorização no prédio. Na pandemia, muitos prédios resolveram optar pela chamada portaria remota. O atendimento é feito por uma central fora do prédio. Temos verificado que as portarias remotas fazem uma triagem com um rigor maior, por estarem mais distantes e equipadas. A pessoa que trabalha na central segue um passo a passo criterioso para poder liberar a entrada. Se o visitante vai na casa da tia, o atendente verifica que ela realmente mora no apartamento, mas não deixou autorização e não está no local, então ela não vai liberar a entrada.”
Atuação dos moradores
“Os moradores também devem evitar a entrada de desconhecidos, quando deixam o local. Se forem rendidos, o que tem sido raro, haverá vigilância remota e dois portões eletrônicos, o que desestimula esse tipo de crime, já que há outras maneiras mais fáceis de cometê-lo. É muito importante a gente entender que os planos de segurança e o investimento de dinheiro em equipamentos devem estar atrelados à circunstâncias do local, daquela cidade. O procedimento correto em torno da segurança muitas vezes é o mais importante. Não abrir sem a certeza, avisar a central ou capacitar os funcionários são práticas fundamentais.”
Por que o procedimento correto é o mais importante
Os criminosos sabem que o prédio está cheio de câmera e gravadores de imagens, que serão recuperadas e irão para a polícia. Mas o mais impressionante é que esses jovens não se preocupam com isso. Eles estão entrando nos prédios. Eles sabem que a fotografia deles pode ser estampada na televisão, rodar no WhatsApp. Mas eles insistem, porque, se forem menores, responderão por um crime de furto. Mesmo detida em flagrante, essa pessoa não fica apreendida. O delegado de polícia é obrigado a entregá-la a um parente. Se for maior de idade e for presa em flagrante delito, ela também provavelmente sairá. A câmera é importante, mas não é suficiente.
Como estão os assaltos nas ruas
“Hoje o tipo de crime que mais atrai é o roubo de celular, por causa do surgimento do Pix. O lançamento do Pix transformou o celular em um terminal bancário, facilitando para os criminosos realizarem assaltos. Eles podem obrigar as vítimas a transferirem dinheiro diretamente de seus aplicativos. Os bandidos desenvolveram diversas táticas, como retenção rápida das vítimas na rua ou sequestros, em que realizam transferências enquanto mantêm as pessoas sob ameaça. Essa nova técnica se espalhou rapidamente pelo Brasil, atraindo até facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital [PCC], devido ao alto lucro potencial. Resultou em mudanças significativas no cenário criminal.”
Na frente de condomínios
“Levantei dados que mostram que vários moradores de apartamento, ou visitantes, foram assaltados na frente do prédio, pois estavam com o celular na mão. Muitos esperando o carro por aplicativo ou esperando alguém que vem buscá-los e utilizando o celular. Infelizmente, mesmo com os índices altíssimos de roubo de celular, tem gente que ainda insiste em usar o celular em público. Aí você corre o risco de ser vítima do chamado crime de oportunidade. Ou seja, se o criminoso está passando naquele local e vê a pessoa com o celular na mão, a possibilidade de assalto é muito grande.”
Como evitar
“Eu uso a seguinte estratégia, que eu acho mais segura para quem gosta de aplicativo de banco: que tenha um segundo celular só com os aplicativos de banco e mantenha esse celular em casa ou eventualmente no ambiente de trabalho para fazer os pagamentos. Aquela pessoa que acredita que precisa andar com o aplicativo de banco no dia a dia, deveria ter uma conta muito simples, sem ser especial, que não fosse atrelada a nenhum tipo de investimento. E que não pudesse fazer nenhum tipo de empréstimo ou crédito pré-aprovado. Ou seja, uma conta na qual a pessoa teria pouca quantidade de dinheiro para fazer transferência. E pagamentos do dia a dia apenas.”
Joias e relógios
“Outra atitude a ser evitada é andar com joias e relógios caros à mostra. Trata-se de algo que também tem atraído criminosos, inclusive os de oportunidade.”
Risco de morte
“Outro dado que pode surpreender é que as pesquisas revelam que o principal objetivo dos ladrões é roubar, com um risco muito baixo de latrocínio [roubo seguido de morte]. Esse risco está estimado em apenas 0,05% quando se comparam assaltos e tentativas com latrocínios. A maioria dos latrocínios ocorre quando a vítima reage, levando o criminoso a disparar, especialmente se a vítima faz movimentos bruscos ou tenta escapar acelerando um veículo. Os atuais assaltantes, em geral, não têm a intenção de matar. A gravidade das penas — cinco anos para roubo versus até 35 anos para latrocínio — influencia o comportamento deles durante os crimes. Mesmo assim, evitar o crime é sempre o melhor caminho. Dez segundos de tensão podem causar enormes transtornos para uma vítima.”
Fonte: Revista Oeste