- Especialistas recomendam pacote de estratégias de controle: adotar vazio sanitário, semear na época recomentada, uso de cultivares resistentes, emprego de fungicidas, entre outras.
- É importante rotacionar fungicidas com ingredientes ativos diferentes.
- Uso de fungicidas que atuam em mais de um processo metabólico do fungo (multissítios) podem atrasar o aumento de resistência do microrganismo.
- Equipe avaliou fungicidas em fase de registro, defensivos já registrados com e sem multissítios e monitorou a sensibilidade do fungo aos produtos.
Usar fungicidas multissítios, atuantes em mais de um processo metabólico do fungo, e associar os defensivos a um pacote de estratégias reduz a severidade da ferrugem da soja. Essa foi uma das conclusões da rede de pesquisa, formada por 32 cientistas brasileiros, que avaliou a eficiência de fungicidas (registrados e em fase de registro) no controle da ferrugem-asiática da soja. Os estudos se deram durante a safra 2022/2023 e os resultados acabam de ser publicados na Circular Técnica 195: Eficiência de fungicidas para o controle da ferrugem-asiática da soja, Phakopsora pachyrhizi.
“Os resultados obtidos e compartilhados anualmente pela rede vêm sendo utilizados para auxiliar técnicos e produtores na determinação de programas de controle mais eficientes para a ferrugem-asiática, a mais severa doença da soja”, destaca a pesquisadora da Embrapa Soja Cláudia Godoy, uma das autoras da publicação
Editada pela Embrapa, a publicação é resultado de ensaios cooperativos realizados, por 23 instituições (ver quadro abaixo) de sete estados brasileiros (Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo) e do Distrito Federal.
Rede reúne 23 instituições no combate à ferrugem da soja
Conheça as 23 instituições públicas, universidades, fundações de apoio à pesquisa e consultorias que compõem a rede de pesquisa: Desafios Agro, Famiva Pesquisa e Soluções Agrícolas, Agro Carregal Pesquisa e Proteção de Plantas Eireli, Embrapa Soja, 3M Experimentação Agrícola, Coamo, Desafios Agro, Agrodinâmica, Fundação Chapadão, Proteplan, G12 Agro Pesquisa e Consultoria Agronômica, Ceres Consultoria Agronômica, Universidade de Rio Verde (UniRV / Campos Pesquisa Agrícola), Assist Consultoria e Experimentação Agronômica, Instituto Phytus/ Staphyt, Fundação Rio Verde, Tagro – Tecnologia Agropecuária, Estação Experimental Ide Consultoria, Fundação MS, Fundação MT, Centro de Pesquisa Agrícola Copacol e Agrotecno Research.
Godoy conta que os experimentos cooperativos vêm sendo realizados, todos os anos, desde a safra 2003/2004. “Os resultados permitem acompanhar as mudanças de eficiência dos fungicidas ao longo dos anos, em razão da adaptação do fungo. Com isso, levamos as informações para que o produtor utilize os fungicidas mais eficientes, sempre em rotação dos diferentes produtos e adequando os programas de controle à época de semeadura”, detalha.
Os tipos de fungicida para a soja
A pesquisadora explica que a maioria dos fungicidas utilizados no controle da ferrugem pertence a três grupos distintos: os Inibidores de desmetilação (IDM, “triazóis”), os Inibidores da Quinona externa (IQe, “estrobilurinas”) e os Inibidores da Succinato Desidrogenase (ISDH, “carboxamidas”). Esses grupos de fungicidas são chamados também de sítio-específico, porque têm atuação em pontos específicos do fungo. Atualmente, o fungo causador da doença, o P. pachyrhizi, apresenta mutações que lhe conferem menor sensibilidade a esses três grupos, ou seja, o microrganismo se tornou mais resistente a essas moléculas.
Uma das alternativas para atenuar o efeito da resistência é associar a fungicidas multissítios, que interferem em mais de um processo metabólico do fungo, registrados na cultura da soja a partir de 2013/2014. Eles têm sido recomendados para aumentar a eficiência dos fungicidas sítio-específicos (que atuam em somente um processo do fungo) e atrasar o aumento da resistência do patógeno.
Pacote de estratégias de manejo é fundamental no controle da ferrugem-asiática
De acordo com Godoy, o fungo causador da doença é capaz de se adaptar às estratégias de controle, seja pela perda da sensibilidade aos fungicidas ou pela “quebra” da resistência genética presente em algumas cultivares de soja. “Para atrasar o processo de seleção de resistência e aumentar a eficiência dos fungicidas, devem ser adotadas todas as estratégias de manejo, incluindo a adoção do vazio sanitário, a semeadura no início da época recomendada com cultivares precoces ou com gene de resistência, a utilização dos fungicidas preventivamente ou nos primeiros sintomas, sempre com a rotação de fungicidas e a inclusão de multissítios nos que não tiverem na sua formulação”, recomenda a especialista.
O vazio sanitário é o período de pelo menos 90 dias sem plantas vivas de soja no campo. A estratégia reduz o inóculo do fungo que necessita de plantas vivas para sobreviver e se multiplicar. Isso ainda reduz a presença do fungo no campo e, associado à semeadura no início da época, compõem uma estratégia de “escape” da doença. Mais informações sobre o vazio sanitário da soja, a calendarização da semeadura e estratégias de manejo da doença, estão disponíveis aqui. O Comitê de Ação a Resistência a Fungicidas (FRAC) também traz informações sobre a questão”.
Além do vazio, são preconizados no Brasil: a adoção de cultivares com genes de resistência e de ciclo precoce, a preferência pela semeadura no início da época e o respeito ao calendário de semeadura, estabelecido por normativas definidas em cada estado. A pesquisadora da Embrapa explica que a definição dessas janelas de semeadura colabora para reduzir o número de aplicações de fungicidas, ao longo da safra. “Isso ajuda a atrasar a seleção de populações do fungo resistentes ou menos sensíveis aos fungicidas”, esclarece.
Monitoramento da lavoura
Os pesquisadores da rede recomendam ao sojicultor monitorar a lavoura, desde o seu início de desenvolvimento, para definir o melhor momento do controle químico, evitando atrasos nas aplicações, uma vez que os fungicidas presentes no mercado apresentam baixa eficiência curativa. Algumas regiões que utilizam cultivares precoces e fazem uma segunda safra com milho ou algodão, por exemplo, têm conseguido “escapar” da doença ou apresentar incidência tardia, o que facilita o controle. “Em regiões que semeiam mais tarde, as cultivares com gene de resistência e o uso dos fungicidas têm proporcionado um bom controle, desde que não ocorram atrasos nas aplicações e se utilize fungicidas com maior eficiência, associados aos multissítios”, explica Godoy.
A pesquisadora informa ainda que nas últimas safras, as mudanças de sensibilidade do fungo da ferrugem aos fungicidas do grupo dos triazóis têm influenciado o controle da doença com os ingredientes ativos protioconazol e tebuconazol (sendo os dois ativos do mesmo grupo). “A presença de novas mutações e a variação de eficiência de ativos do mesmo grupo, como protioconazol e tebuconazol, reforça a necessidade de rotação de ingredientes ativos dentro de um mesmo grupo em programas de controle da ferrugem-asiática”, ressalta.
A pesquisa
A rede de ensaios realizou quatro protocolos para ferrugem nas principais regiões produtoras da leguminosa. O objetivo foi avaliar os novos fungicidas que estão em fase de registro, os fungicidas registrados sem e com fungicidas multissítios e ainda monitorar as mudanças de sensibilidade do fungo P. pachyrhizi aos fungicidas.
A pesquisadora da Embrapa explica que os experimentos foram instalados em soja semeada mais tarde, em novembro e dezembro, para garantir maior probabilidade do aparecimento da doença, em razão da multiplicação do fungo nas primeiras semeaduras. “Semear no início da época recomendada é uma das estratégias de manejo da ferrugem para escapar do período de maior quantidade de inóculo do fungo no ambiente”, destaca.
No caso dos fungicidas registrados, todos os tratamentos apresentaram severidade inferior à parcela testemunha, em que não foi aplicado fungicida. A porcentagem de controle dos fungicidas registrados variou entre 28% e 69%. “Quando os fungicidas registrados foram misturados a fungicidas multissítios, a eficiência de controle aumentou de 7% a 14%, evidenciando a importância da utilização de fungicidas multissítios em semeaduras tardias, com alta pressão de ferrugem”, explica.
Com relação aos fungicidas em fase de registro, todos os tratamentos também apresentaram severidade inferior comparados às lavouras sem o defensivo. As porcentagens de controle variaram entre 60% a 75%. “Esses fungicidas são novas combinações dos ativos que já estão disponíveis no mercado”, diz.
Nos ensaios para monitoramento da sensibilidade do fungo a fungicidas com ingrediente ativo único, entre os triazóis, as menores severidades foram observadas para protioconazol e tebuconazol. “A eficiência desses dois ativos variou entre regiões e dentro das regiões, evidenciando a presença de populações com sensibilidade diferenciada aos triazóis e a necessidade de rotação de fungicidas com esses dois ingredientes ativos para controle eficiente da ferrugem-asiática”, explica Godoy.
Ainda de acordo com a pesquisadora, as baixas produtividades médias observadas nos tratamentos desse protocolo ocorreram pela baixa eficiência de controle dos ingredientes ativos isolados. “Isso reforça que os fungicidas usados para o controle da ferrugem-asiática devem ser utilizados sempre em misturas comerciais ou misturas em tanque, para maior eficiência de controle e para atrasar o processo de resistência”, destaca. As tabelas detalhadas estão disponíveis na publicação.
Foto: Claudia Godoy
A ferrugem-asiática da soja
A doença foi identificada pela primeira vez no Brasil em 2001. De acordo com Godoy, os sintomas iniciais da ferrugem são pequenas lesões na folha, de coloração castanha a marrom-escura. As plantas severamente infectadas apresentam desfolha precoce, que compromete a formação, o enchimento de vagens e o peso final do grão.
Segundo levantamentos do Consórcio Antiferrugem, a doença pode levar a perdas de até 80%, se não for controlada, enquanto, os custos com o controle da ferrugem e de outras doenças para os agricultores no Brasil, excedem US$ 2 bilhões por safra.