Foto: Angelos Tzortzinis / AFP

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos dezenas de chefes de Estado convidados pelo líder russo, Vladimir Putin, na parada militar que marcou os 80 anos da vitória sobre os nazistas na Segunda Guerra Mundial. A participação em uma celebração também vista como um ato de propaganda russa provocou críticas internas e externas: sem citar o Brasil, o presidente da Polônia, Donald Tusk, disse que todos que aplaudiram Putin “deveriam se envergonhar”.

Em entrevista ao GLOBO, Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade Harvard, considerou desnecessária a viagem de Lula a Moscou, e vê um contrassenso entre o discurso pró-democracia do Brasil e a decisão de se sentar ao lado de autocratas na Praça Vermelha, alguns há décadas no poder.

Por mais que a celebração na Praça Vermelha tivesse uma motivação histórica, a vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, a parada militar se inseriu na estratégia de propaganda russa sobre a guerra na Ucrânia. Como o senhor avalia a decisão do presidente Lula de ir até Moscou?

Considero desnecessária. O Lula não precisava ter ido pessoalmente, outros líderes foram convidados e não quiseram ir. Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, mandou representantes. Não havia necessidade de Lula ir a Moscou. Mas já que ele foi, por que não aproveitou a viagem ao funeral do Papa Francisco, no dia 26 de abril, e não ficou mais dois dias na Itália para homenagear os 457 pracinhas brasileiros da FEB mortos na Segunda Guerra Mundial? Já que o presidente Lula foi a Moscou se apresentando como mediador, por que não aceitou o convite da Ucrânia para ir ao país? Como ele vai ser mediador em um conflito em que só vai visitar o agressor? A viagem não trouxe vantagens ao Brasil, pelo contrário: o avião presidencial recebeu uma recusa de sobrevoar países, Estônia, Letônia e Lituânia não abriram espaço aéreo porque ele estava indo para Moscou. O Brasil afirma que quer assinar um acordo estratégico com a Rússia, mas quais países já o fizeram? A Coreia do Norte, que enviou tropas para ajudar Putin na guerra, a Venezuela, com quem o presidente Lula não falava desde a fraude nas eleições no ano passado, com ameaças do Maduro ao Lula para não se meter com ao país, e o Irã, que está sob pressão por causa do seu programa nuclear.

Na Praça Vermelha estavam alguns conhecidos autocratas, como Alexander Lukashenko, líder da Bielorrússia, no poder desde 1994, e outros que chegaram ao poder através de golpes, como o presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi. Até que ponto isso bate de frente com o discurso pró-democracia de Lula?

Existe um contrassenso. Lula se elegeu com um discurso de defesa da democracia, afirma ter combatido um golpe de Estado no dia 8 de janeiro, e Lula apareceu ao lado não apenas de ditadores, mas também de criminosos de guerra. Putin tem uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional por sequestrar milhares de crianças da Ucrânia. E além de ser um contrassenso, os países europeus veem ações assim com maus olhos. Enquanto Lula estava na visita, outros líderes estavam tentando negociar um cessar-fogo entre Ucrânia e Rússia, mas Lula não conseguiu estender a pausa nos combates em um só dia.

É importante aqui fazer uma distinção: a diplomacia profissional do Brasil desde o início da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia tem feito condenações na ONU. Isso foi antes do governo Lula tomar posse, ainda durante o governo de Jair Bolsonaro, e ele também foi apertar a mão do Putin dias antes da invasão. Uma coisa é a diplomacia profissional do Itamaraty, respeitada no mundo inteiro. Outra coisa é a diplomacia personalista que o presidente faz com os seus assessores, especialmente Celso Amorim, uma diplomacia personalista que também é criticada dentro do Itamaraty.

Até que ponto podemos associar essa visita de Lula a Moscou ao fato do Brasil presidir o Brics em 2025? Até agora, por exemplo, não há confirmação se Putin virá ou não para a reunião de cúpula do grupo, em julho, no Rio de Janeiro…

Lula vem lamentando há algum tempo a ausência de Putin nas reuniões. Mas não é de hoje essa postura de tentar amenizar o que Putin vem fazendo. Antes de se eleger, Lula foi criticado por uma entrevista que deu à revista Time, e criticado pelo governo dos Estados Unidos na época e pela Europa, e chamado de “papagaio de propaganda russa”. [Volodymyr] Zelensky [presidente da Ucrânia], que pousou em Brasília para a posse de Javier Milei na Argentina, não foi recebido, ao contrário do que aconteceu em outros países. Há um alinhamento de Lula com Putin, e não podemos colocar isso na conta do Brics. Inclusive vários países do bloco não mandaram seus chefes de Estado para Moscou.

Lula disse que um dos objetivos da viagem foi ampliar as oportunidades de negócios com a Rússia, um país com o qual o Brasil tem um amplo déficit comercial…

Em 2023, o Brasil aumentou a importação de óleo diesel russo em 6.000%, comparado com 2022, no período anterior à guerra. E no ano passado aumentou em 9.000%. O Brasil é um dos financiadores da guerra de agressão de Putin. O Brasil votou na ONU contra a agressão e aumentou muito a importação de óleo diesel. O Brasil diz que a Ucrânia não deve receber armas, mas é a favor da soberania da Ucrânia. Então como é que a Ucrânia vai se defender? Então se o Brasil, um país que tem pouca projeção de poder, porque tem pouca força militar, fosse invadido hoje, ele não poderia ser protegido pela carta da ONU. O que a diplomacia personalista do presidente defende é que se alguém invadir a Amazônia, a temos que abrir mão em prol da paz. Todo mundo é a favor da paz, mas o problema é que a paz a qualquer preço, defendida pelo Lula, leva a outras guerras.

O senhor acredita que a decisão de Lula de ir à Rússia terá impactos a médio ou longo prazo no papel do Brasil no mundo?

A Rússia de Putin usou o evento de 9 de maio como um ato de propaganda, com soldados que estiveram na Ucrânia ou que irão para lá, com armas que provavelmente serão lançadas contra civis. Não ganhamos nada com isso, mas perdemos. Perdemos influência internacional, perdemos a neutralidade de nossa democracia, que é vista assim no mundo inteiro como neutra desde sua fundação.

A presença no desfile de 9 de Maio pode ser uma pá de cal nos planos do Brasil de eventualmente fazer parte do diálogo sobre o fim da guerra na Ucrânia?

Quem diz isso são os ucranianos. São eles que dizem que o Lula tem um lado. E isso independente da posição política, porque criticamos contra quando Bolsonaro foi apertar a mão do Putin. Isso não é uma questão de ideologia, não é uma questão de esquerda e direita. É uma questão de defesa dos princípios da Carta da ONU. Não consigo entender, por exemplo, por que o governo brasileiro é tão rápido para condenar Israel quando bombardeiam civis, quando [Benjamin] Netanyahu [premier de Israel] usa desproporcionalmente a força na Faixa de Gaza, mas quando Putin bombardeia áreas civis abertamente não há críticas. São dois pesos e duas medidas.

Fonte: O Globo

Fonte: Diário Do Brasil

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‘Lula apareceu ao lado não apenas de ditadores, mas também de criminosos de guerra’, diz pesquisador