Por Priscila Carvalho, da Agência Einstein

Pessoas que ultrapassam os 80 anos com uma memória equiparável a indivíduos 20 a 30 anos mais jovens vêm sendo estudadas há décadas e ganharam um nome. São os superidosos. 

Ao envelhecer, o cérebro sofre um declínio lento e contínuo, com prejuízo na comunicação entre os neurônios e consequente dano à memória. Isso, no entanto, não é regra. Em 2016, pesquisadores do Massachusetts General Hospital descobriram que os superidosos têm uma estrutura cerebral diferente e uma rede neural que se assemelha muito às dos mais jovens.

Para chegar a essa conclusão, um grupo de 40 pessoas com a média de idade de 67 anos foi submetido a um teste de memória enquanto, ao mesmo tempo, seus cérebros eram analisados em um exame de ressonância magnética funcional – que, ao contrário de uma ressonância comum, mostra as atividades de diferentes áreas cerebrais durante as tarefas. Como comparativo, 41 jovens — com idade média de 25 anos — passaram pelo mesmo teste.

Os pesquisadores não conseguiram distinguir a performance dos superidosos daquela apresentada pelos voluntários jovens, visto que o córtex visual (área do cérebro que processa as imagens) dos mais velhos manteve os padrões de quando eram mais novos. A pesquisa teve os resultados publicados no periódico científico Cerebral Cortex. 

Ainda falta entender, segundo os autores, se os superidosos sempre tiveram uma memória mais eficiente que os pares, ou se esses mecanismos foram desenvolvidos durante o envelhecimento. Outro ponto a ser estudado é se alguma intervenção poderia atrasar ou até mesmo prevenir o declínio neural comum, bem como o impacto do estilo de vida.

Superidosos e Alzheimer

Falar em memória em idosos remete a uma doença neurodegenerativa conhecida, o Alzheimer. Mas ser um superidoso não garante uma proteção total contra a condição, segundo estudo brasileiro. 

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e PUC-Rio Grande do Sul estudaram os cérebros de 150 voluntários para buscar pelos superidosos e entender o que os fazia excepcionais. Ao mesmo tempo, analisaram os marcadores da doença.

Segundo Ricardo Nitrini, professor titular de Neurologia da USP e um dos autores da pesquisa, do total de participantes, apenas 11 receberam a classificação de superidosos. A característica, portanto, pode ser vista como rara. 

E, entre eles, a proteína beta-amiloide — cujo acúmulo no cérebro estaria associada ao desenvolvimento do Alzheimer — foi identificada via exames de tomografia. Ser um superidoso, portanto, não seria um escudo contra doenças neurodegenerativas, embora elas possam levar mais tempo para surgir. 

“Se esses indivíduos sobreviverem por mais 20 anos, talvez tenham a doença”, explica Nitrini. De acordo com o pesquisador, o grupo estudado foi pequeno e ainda faltam estudos para conclusões mais definitivas serem tiradas.

O próximo passo será uma análise genética dos pacientes com comprometimento cognitivo, e a comparação com os dados dos superidosos. “Já temos o material colhido e estamos em fase de estudos. Vamos poder comparar a nossa amostra com um banco de dados com pessoas que têm a doença de Alzheimer, por exemplo”, diz Nitrini.

Impacto da escolaridade

Os principais estudos sobre superidosos feitos em países desenvolvidos levam em consideração a maior escolaridade dos participantes para explicar as características excepcionais. Mas uma pesquisa brasileira conduzida na UFMG questiona a prevalência desse fator. 

Na dissertação de mestrado realizada na Faculdade de Medicina da instituição, a neurologista Karoline Carvalho Carmona analisou os dados dos participantes do projeto Pietà, que visa a investigação epidemiológica de uma população de 75 anos de idade ou mais, na cidade de Caeté, em Minas Gerais. Nos resultados, foram identificados superidosos mesmo entre pessoas com menos de três anos de frequência escolar.

Segundo a pesquisadora, a presença de pessoas com baixa escolaridade, mas alto desempenho cognitivo, reforça o impacto dos determinantes biológicos e genéticos em um envelhecimento “bem-sucedido” do cérebro. “Mas não se pode excluir a importância da vida escolar, porque se trata, provavelmente, de relações multifatoriais”, destaca Karoline, em um comunicado para a imprensa.

A pesquisa também percebeu que os superidosos apresentavam com menos frequência sintomas depressivos, como medo, sensação de inferioridade e o abandono de interesses. “Já é relatado que essas pessoas têm um astral diferente. Nos superidosos, os neurônios estão relacionados a questões sociais. Eles apresentam menos traços negativos”, reforça Paulo Caramelli, neurologista e orientador do estudo.

Hábitos dos superidosos

Um grupo de estudo dos superidosos na Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, separou quatro hábitos identificados com frequência no dia a dia das pessoas consideradas “SuperAgers” — termo em inglês. 

1.      Superidosos têm uma vida ativa. Manter uma frequência de exercícios físicos, mesmo duas vezes por semana, aumenta a oxigenação, melhorando a performance de todo o corpo. Enquanto os exercícios aeróbicos ajudam o coração, a musculação reduz o risco de quedas. Outro benefício é a manutenção do peso, o que colabora até mesmo no controle do Alzheimer. Pessoas com Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 30 têm o triplo de risco de desenvolver a condição. 

2.      Superidosos se desafiam. Atividades mentais são tão importantes quanto as físicas, pois estimulam o cérebro de novas formas. Há várias opções: exercícios de Sudoku, leitura de um livro, matéria, artigo sobre um assunto que não é tão familiar, ou mesmo aprender algo que tire da zona de conforto.  

3.      Superidosos são amigáveis e fazem amizades com facilidade. Ter relações sociais profundas com outras pessoas é uma das características dessa turma. Inclusive, a região do cérebro destinada à atenção tem de quatro a cinco vezes mais neurônios chamados von Economo neste grupo de pessoas. Esses são os neurônios associados aos processos sociais e à consciência. 

4.      Superidosos também bebem. Há superidosos que são fitness e outros que bebem um pouco de álcool toda noite. A chave é a moderação, pois beber em exagero pode ser considerado um fator de risco para Alzheimer.   

(Fonte: Agência Einstein) 

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