Zanone Fraissat/Folhapress

Em dezembro de 1993, a fabricante de meias Lupo, com sede em Araraquara (SP), estava perto da falência.

O caixa estava zerado. O Bradesco, maior credor, chegou a indicar comprador para a empresa: a rival Trifil. “Eu não me conformava”, lembra a presidente da companhia, Liliana Aufiero, neta do imigrante italiano Henrique Lupo, que criou a empresa em 1921. Ela convenceu a família a esperar mais um ano antes de decidir pela venda.

Um político local, ex-colega de faculdade de Liliana, sugeriu à amiga: deixe de pagar impostos. “Eu fiquei chocada”, diz. “Até então, tudo era pago rigorosamente em dia”. Mas se convenceu que não havia alternativa. As obrigações com o governo pararam de ser pagas. Quando foi criado o Refis (Programa de Recuperação Fiscal), em 2000, a companhia aderiu e saldou as dívidas em três anos.

Passadas pouco mais de três décadas, os impostos voltaram a estar no centro das estratégias da fabricante. Com a nova lei 14.789/2023, que altera as regras de tributação de incentivos fiscais para investimentos concedidos por estados no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), a Lupo viu o lucro cair. A saída foi expandir a produção para fora do país.

“Não é que a Lupo foi para o Paraguai, o Brasil empurrou a gente para o Paraguai”, diz Liliana, que inaugurou em junho sua primeira fábrica no exterior, em Ciudad del Este, onde os custos são pelo menos 28% menores do que no Brasil. “Os impostos estão comendo a operação de forma violenta.”

Com capacidade para produzir até 20 milhões de pares de meias por ano, a planta recebeu investimentos de R$ 30 milhões e emprega cerca de 110 pessoas.

Mas não são só os impostos. Uma fábrica de meias instalada no país vizinho por um empresário chinês é o principal concorrente da companhia hoje. “Se ele consegue vender no Brasil sem investir em marca, e oferecer um bom produto a um custo menor, eu tenho que ter as mesmas vantagens.”

Hoje, a Lupo é líder nacional na venda de meias e cuecas, uma das maiores fabricantes de moda íntima (lingerie e pijamas), domina a venda de meia-calça (com as marcas Lupo, Trifil e Scala) e vem fazendo investimentos crescentes na marca Lupo Sports, de vestuário esportivo, o que envolve até o lançamento do primeiro tênis da empresa, o Origem. O modelo casual, fabricado por terceiros, chega este mês a cem lojas da rede ao preço de R$ 359. A empresa distribui há um ano nas lojas da Lupo Sports os tênis de corrida da americana Saucony.

A fabricante de Araraquara já buscava ganhar competitividade quando direcionou a expansão para o Nordeste, atrás de incentivos fiscais e da mão de obra para tecelagem. A chegada na região aconteceu em 2016, com a compra do grupo Scalina, dono das marcas Trifil e Scala –os mesmos que tentaram comprar a Lupo em 1993.

Liliana guarda uma lembrança agridoce deste momento. “Os irmãos donos da Trifil [Bruno e Ronaldo Heilberg] visitaram a fábrica em Araraquara. Estava um calor de rachar e paramos na lanchonete do clube dos funcionários para tomar uma água e um refrigerante. Na saída, eu disse ao atendente que acertaria depois, não tinha saído com dinheiro. Ele se recusou, disse que não podia ficar sem receber. Os irmãos acabaram pagando a conta”, diz ela, entre risos. “Achei aquilo uma vergonha.”

O grupo Scalina tinha fábricas em Itabuna (BA) e Guarulhos (SP). A Lupo fechou esta última e concentrou a produção na Bahia. Em 2022, a empresa comprou a fábrica da Marisol em Pacatuba, na Grande Fortaleza. Em 2023, comprou a malharia Cotece, em Maracanaú (CE).

A executiva de 80 anos é uma entusiasta da Lupo Sports, de peças de maior valor agregado, como uma avenida de crescimento para os próximos anos. “No meu tempo, tinha roupa de sair, roupa de festa, roupa de não sei o quê… Agora há uma padronização, a moda esportiva vai a todos os lugares. Isso é bom para a Lupo e para todas as gerações.”

Lançada em 2011, a Lupo Sports já representa cerca de 22% das vendas. A marca cresceu 28% no primeiro semestre, enquanto a marca Lupo subiu 2%.

Segundo a consultoria Euromonitor International, no Brasil o consumo de vestuário ligado ao universo esportivo avançou 54,5% entre 2020 e 2025, e deve encerrar o ano em R$ 15,3 bilhões. Já a venda de calçados esportivos disparou 83%, para R$ 21,5 bilhões este ano.

Na opinião de Guilherme Machado, gerente de pesquisa da Euromonitor, as marcas precisam se apegar menos a estereótipos e analisar mais tendências de comportamento, como a busca por bem-estar e saúde. “Os 50+ são um público importante, que consome e quer novidade. Enquanto os mais jovens, por não terem estabilidade financeira, escolhem marcas já conhecidas, para não correrem o risco de uma compra errada.”

Primeira engenheira civil formada pela USP (Universidade de São Paulo) de São Carlos (SP), em 1967, Liliana foi professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e atuou em escritórios de engenharia em São Paulo. Até que, em 1986, recebeu o telefonema do primo, Ricardo. Ele queria deixar a Lupo após a morte do pai, e pediu para ela assumir o seu lugar como diretora comercial.

“Eu estava casada, com filho, trabalhando como engenheira, e tinha salário de homem”, brinca. Liliana se tornou a primeira mulher da família a assumir um cargo executivo, ao lado do presidente, seu tio Élvio, e do filho dele, Élvio Lupo Júnior, diretor industrial.

“Sempre quis trabalhar na Lupo. Mas nunca fui convidada, o acesso à empresa sempre foi cerceado”, diz a filha de Henriqueta Lupo e Giuseppe Aufiero.

Isso porque, de acordo com Liliana, Henrique Lupo, que deixou dez filhos, determinou que a família, a partir da terceira geração, não trabalhasse na empresa. Tinha medo que as brigas pudessem comprometer o futuro do negócio. Hoje são cerca de 70 acionistas, sendo Liliana a única com função executiva: se tornou presidente em 1999, após a morte do tio, cujo filho já havia deixado a Lupo.

O cuidado do fundador não impediu, porém, o litígio envolvendo Wilton Lupo Neto, da quarta geração, e Eduardo Quirino dos Santos, da terceira geração. Neto e Santos são donos, respectivamente, de 1,5% e 12,3% da companhia e vêm questionando as informações prestadas pela Lupo nos últimos três anos. Reclamam que faltam dados sobre transações entre partes relacionadas, uma vez que alguns acionistas seriam donos de franquias da Lupo.

A lei não restringe que um acionista seja dono de franquia. Mas determina que as condições, como mix de produtos, preços e prazos de pagamento, sejam as mesmas destinadas aos demais franqueados.

Neto foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até a publicação deste texto. O escritório de advocacia que representa Santos também não retornou.

Liliana, a última Lupo no poder, já escolheu seu sucessor: o vice-presidente da empresa e diretor de relações com investidores Carlos Alberto Mazzeu. Prata da casa, há mais de 40 anos na companhia, Mazzeu começou carregando caixas, era funcionário do depósito. “Tenho paixão pela empresa”, diz ele.

Mas Mazzeu terá de esperar. Liliana não tem pressa em deixar o comando. “Se eu me aposentar, será o dia da minha morte.”

Fundação: 1921

Sede: Araraquara (SP)

Funcionários: 9.000

Marcas: Lupo, Lupo Sports, Trifil, Scala

Presença: 911 franquias e 9 lojas próprias (em todos os estados do país, no Distrito Federal e uma em Portugal); 5 fábricas (Araraquara-SP, Itabuna-BA, Maracanaú-CE, Pacatuba-CE e Ciudad del Este-Paraguai); 3 centros de distribuição (Araraquara, Itabuna e Pacatuba)

Principais concorrentes: Mash, Zorba, Selene, Del Rio

Faturamento em 2024: R$ 1,85 bilhão

Nova série da Folha traz entrevistas semanais em texto e vídeo, apresentando expectativas, receios e estratégias escolhidas para 2026 pelos principais executivos de dez segmentos diferentes: supermercados, varejo, consórcios, têxtil, calçados e confecções, ar-condicionado, tecnologia, telefonia, serviços financeiros e mobilidade. Todas as empresas da série faturam mais de R$ 1 bilhão ao ano.

Fonte: Folha de S. Paulo

Fonte: Diário Do Brasil

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‘O Brasil empurrou a gente para o Paraguai’, afirma a última CEO da família Lupo no comando da empresa