O Brasil engatou uma sequência de recuperações depois do banho de sangue de segunda-feira (22). O exterior tem ajudado, pelo menos, ainda que não tenha sido o fator principal de preço – lá fora, a alta da expectativa de inflação e a curva de juros mais empinada têm sido o centro das atenções. Ásia também começa a se sentir pressionada com temor monetário. Provavelmente, será a grande discussão macroeconômica do ano. Ontem, Bolsas abriram em alta na Europa, sendo seguidas apenas pelos futuros do Dow Jones – S&P 500 e Nasdaq estão com seus futuros em queda. A ver…
Alguém está preocupado em reverter o próprio estrago
O governo percebeu que esticou demais a corda e agora tenta, a cada respiração, dar uma sinalização de que a agenda liberal segue viva – era a promessa de Paulo Guedes. O resultado da Petrobras muito acima da expectativa, indicou que Castello Branco e sua equipe estavam fazendo um bom trabalho e que sua troca foi minimamente impulsiva – a companhia divulgou lucro recorde de quase R$ 60 bilhões no quarto trimestre.
De todo modo, as sinalizações mais recentes têm sido positivas, com alta destacada da Eletrobras, ainda que ao final do dia tenha havido o temor de devolução da MP para o Executivo (era apenas a oposição fazendo barulho). Mesmo que a proposta trate apenas de passos iniciais para uma eventual privatização, já foi alguma coisa, principalmente se esse foi o “meter a mão” no setor elétrico sinalizado anteriormente.
A MP é positiva para:1) a Eletrobras, que ganharia eficiência e recuperaria sua capacidade de investimento; 2) o setor como um todo, com o oferecimento de múltiplas oportunidades de crescimento; e 3) para o Brasil, que tenta reconstruir a retórica de governo liberal, dando suporte de credibilidade fiscal.
Bolsonaro voltou ao Congresso para apresentar mais uma proposta de privatização, desta vez dos Correios – o presidente está preocupado em passar a mão na cabeça do mercado a qualquer custo, uma vez que possivelmente foi enquadrado por Paulo Guedes. Bolsonaro teme que uma greve possa atrapalhar sua reeleição. Mas sem o mercado, Bolsonaro também terá dificuldades de ganhar.
De olho no PIB e nos gastos do consumidor
O PIB do quarto trimestre dos EUA será apresentado, com expectativas para a entrega de dados robustos, em linha com a expectativa de crescimento traçada ao final do ano passado. A maioria dos dados de crescimento global, porém, tem sido revisada para cima com recorrência, uma vez que os modelos tradicionais têm falhado com frequência para analisar o momento atual. Tentar replicar o ano de 2020 em um modelo de recessão convencional quando tratamos aqui de uma crise completamente não convencional faz com que a recuperação acabe sendo subestimada.
Vale também acompanhar os números do deflator, que considera medidas de inflação mais amplas; além disso, esse deflator PCE (derivado dos gastos do consumidor americano) é acompanhado de perto pelo Fed para o estabelecimento de sua política. Nos EUA, muito se discute o pacote do presidente Biden – se por um lado o pacote pode proporcionar ocupação de capacidade ociosa (ociosidade é força deflacionária), por outro, também temeria uma inflação derivada da expansão fiscal. Os EUA precisam do pacote, mas ele, infelizmente, gera inflação. A recuperação machuca as expectativas de preço e, consequentemente, os juros. Estes, por sua vez, alteram valuation. Não é uma conta fácil de se fazer.
Vacinou geral
A rápida implantação do programa de vacinação em todo o Reino Unido significa que uma curva decisiva foi virada na batalha contra a Covid-19. Enquanto isso, no Brasil, estamos no pior momento da crise de saúde, com São Paulo estabelecendo, inclusive, toque de recolher das 23h às 5h, entre 26 de fevereiro e 14 de março.
Agora, resta ver se esse sentimento positivo derivado da vacinação vai ajudar a confiança do consumidor na Zona do Euro, que foi entregue ontem. O economista-chefe do BCE, que representa a liderança do pensamento econômico do BCE, se pronunciou, podendo dar novas sinalizações para a economia real.
Anote aí!
Depois de uma prévia da inflação oficial (IPCA-15) abaixo da expectativa (0,48% versus consenso de 0,50%), o mercado se debruça sobre o IGP-M, que possui uma sensibilidade maior para o atacado. Uma inflação acima da mediana das expectativas, posicionada para uma alta de 2,38% do índice, indicaria uma necessidade de alta da taxa de juros na próxima reunião do Copom, o que é esperado pela maioria do mercado. Além disso, indicador de empréstimo bancário também será interessante de se acompanhar, de modo a identificar o nível de atividade no Brasil.
No exterior, a Europa inicia o dia com uma bateria de dados da Zona do Euro. Entre eles, empréstimos do setor privado, expectativa de inflação, confiança do consumidor e sentimento do setor industrial e do setor de serviços. Até aqui, dados em linha, ajudando a dar suporte fundamentalista para a alta de ontem. Nos EUA, por sua vez, o foco vai para dados oficiais do PIB do quarto trimestre, pedidos de auxílio-desemprego e verificação do gasto do consumidor; este último será muito importante para entender uma eventual mudança no padrão de consumo.
Muda o que na minha vida?
O Fed (banco central americano) tem executado uma política frouxa já há algum tempo. O ano passado foi especialmente caricato nesse sentido, com a redução da sua taxa de empréstimo de referência para quase zero e comprando pelo menos US$ 120 bilhões em títulos a cada mês (cerca de 7% do PIB em uma base anualizada). Isso se soma a uma série de programas de empréstimo e liquidez implementados para combater a crise do coronavírus.
Enquanto isso, o Congresso dos EUA também aprovou trilhões de dólares em estímulos fiscais e poderia aprovar outra grande proposta de US$ 1,9 trilhão até o final da semana, com possibilidade de chegar à mesa de Biden ainda em março – o democrata realmente trabalha rápido.
Tais medidas de estímulo ajudaram a impulsionar as expectativas de um crescimento mais rápido dos EUA e da inflação, elevando recentemente os juros dos títulos do governo, particularmente mais adiante na curva, uma vez que no curto prazo a curva ficou ancorada com o forward guidance de Powell, isto é, com o presidente do BC garantindo que os juros ficarão baixos por mais tempo.
Enquanto o juro de dois anos permanece inalterado para 2021, o de cinco anos já subiu consideravelmente. Destaque, contudo, para os juros de dez anos, que saltaram para próximo de 1,40%, uma região não explorada desde antes da pandemia. Na Europa, a presidente do BCE, Christine Lagarde, até mesmo sinalizou o movimento na segunda-feira ao afirmar que estaria monitorando de perto a evolução dos juros dos títulos nominais de longo prazo.
Tudo isso para dizer que o Fed parece estar entre duas pontas de faca. Se os rendimentos dos títulos continuarem a subir em resposta, o Fed pode ser forçado a apertar a política muito rapidamente, enquanto um Fed complacente pode representar riscos de superaquecimento que podem desestabilizar a economia no longo prazo. Ou seja, se ele não aumentar os juros, ajuda a economia, mas desestabiliza a ponta longa e pressiona a inflação (para estabilizar a ponta longa, precisaria de mais expansão monetária, que se resumiria a mais inflação, em um ciclo vicioso). Por outro lado, se ele responder ao mercado e aumentar os juros agora, prejudica a retomada da economia. Não tem escapatória. Se ficar, o bicho pega e, se correr, o bicho come. (Fonte: Vitreo)