Foto: Andrey Rudakov/Bloomberg

Data de nascimento, nome, endereço de e-mail ou telefone, senha de login, modelo do dispositivo usado, sistema operacional, endereço de IP (espécie de ‘endereço’ de internet), histórico de conversas, textos, arquivos, imagens e até o ritmo de digitação no teclado.

Essas são informações que o aplicativo de inteligência artificial da DeepSeek coleta de quem usa o seu serviço de inteligência artificial, disponível gratuitamente desde a semana passada e acessível no Brasil em português.

Os dados — que incluem tudo aquilo que as pessoas conversam com a ferramenta — são armazenados em servidores na China, país de origem do sistema que abalou a indústria de IA ao oferecer uma opção mais barata e tão potente quanto a de concorrentes. A explicação sobre a maneira com a qual lida com os dados está na política de privacidade da DeepSeek, disponível apenas em inglês ou chinês.

Assim como outros modelos de IA generativa, como o ChatGPT, a DeepSeek pode responder a perguntas, realizar buscas na internet, utilizar um modelo mais potente de raciocínio e processar arquivos e imagens. Acessível em navegadores e pelo celular, a IA está disponível em mais de 70 idiomas.

Desenvolvido com menos recursos computacionais e financeiros que sistemas rivais, o app foi o mais baixado na loja de aplicativos da Apple esta semana, fez derreter o valor de mercado de big techs no mercado e levantou questionamentos sobre o nível de independente da ferramenta — a IA evita responder a temas controversos do governo chinês, por exemplo.

Não se enquadra na LGPD
A avaliação de especialistas consultados pelo GLOBO é de que a empresa aplica práticas da privacidade que são comuns na indústria de IA, como usar dados para aperfeiçoar os modelos, mas também é mais abrangente na coleta de informações e, por outro lado, menos clara sobre garantias de privacidade.

A IA chinesa também não cumpre exigências da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira, como oferecer ao usuário o direito de oposição ao uso de suas informações.

A empresa informa que pode fornecer as informações coletadas para terceiros, incluindo parceiros comerciais (como agências de publicidade) e autoridades públicas. No segundo caso, o envio acontece caso a DeepSeek entenda que a transferência é necessária para “cumprir a lei, proteger direitos e prevenir atividades ilegais”.

Todas as informações compartilhadas pelos usuários são enviadas aos servidores da DeepSeek na China. A empresa afirma que, ao transferi-las para o exterior, respeita “requisitos das leis de proteção de dados aplicáveis”, sem especificar quais legislações e proteções são essas.

Resolução da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), de agosto do ano passado, indica que essa transferência de informações deve estabelecer garantias mínimas das informações, como possibilidade de oposição à coleta e exclusão dos dados armazenados — opções que a DeepSeek não oferece.

Regras não estão disponíveis em português
Nas regras de privacidade, que não estão publicadas em português apesar de o serviço estar disponível no país, a DeepSeek afirma que o usuário “pode controlar e acessar” algumas das suas informações. Nas configurações, por exemplo, é possível excluir o histórico de conversas.

A empresa, no entanto, não oferece ao usuário uma opção clara de como recusar o processamento de suas informações, direito que é conhecido como “opt out”. Pela lei brasileira, o titular de dados deve ter a garantia de se opor ao tratamento de suas informações pessoais quando ela acontece com base no consentimento.

Desrespeito à legislação é claro, diz pesquisador
Para Luca Belli, professor e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, os termos de uso da ferramenta chinesa seguem um padrão da indústria que “infelizmente é extremamente baixo”, diz.

— As diretrizes da DeepSeek são mais genéricas, mas os princípios básicos são os mesmos do ChatGPT, que já são ruins. É um problema de uma indústria que claramente tem desrespeitado legislações — diz o pesquisador.

Ele lembra que o ChatGPT, por exemplo, demorou mais de um ano para traduzir sua política de privacidade para o português (uma exigência da LGPD) e meses para criar uma opção de “opt out” para usuários.

‘Ameaça’ para os EUA
A ascensão da IA chinesa levantou questionamentos de autoridades em outros países. A medida mais drástica foi tomada pela Itália, que proibiu o app e solicitou informações de como os dados são armazenados.

Nos EUA sob governo de Donald Trump, adepto de uma retórica anti-China, a DeepSeek passou a ser vista como uma potencial nova ameaça à segurança nacional. O argumento de acesso de Pequim a dados de americanos foi justamente o que havia feito o país aprovar a lei que bania o TikTok.

Em sua primeira entrevista coletiva, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que o Conselho de Segurança Nacional estava “analisando” as potenciais implicações de segurança do DeepSeek.

Monitoramento da digitação chama atenção
A advogada especialista em direito digital Nuria López, cofundadora da Technoethics e sócia da Daniel Advogados, diz que um dos pontos que chama a atenção nas regras daDeepSeek é o monitoramento do ritmo e os padrões de digitação dos usuários.

Ela ressalta que algumas legislações de privacidade, como a da Califórnia, nos EUA, classificam esse tipo de dado como biométrico, já que pode ser usado para identificar o usuário:

— A forma como cada pessoa digita é única e isso faz com que esse seja um dado biométrico, que deve ter tratamento específico. É uma prática pouco utilizada no mercado e que poderia ser aplicada para identificação — diz a advogada.

Nuria acrescenta que “mais importante do que os dados coletados, é o tipo de informação que é extraída a partir deles”. Ela acrescenta que é incontestável a existência de dúvidas sobre como o governo chinês lida com as informações coletadas por empresas de tecnologia.

O que diz a empresa
De acordo com a DeepSeek, os dados de usuários ficam retidos “pelo tempo necessário” para o cumprimento de obrigações contratuais e legais, que não são especificadas. “Os períodos de retenção serão diferentes dependendo do tipo de informação, das finalidades para as quais usamos as informações e de quaisquer requisitos legais”, afirma.

Informações como nome, senha e login são armazenadas enquanto o usuário mantiver uma conta ativa na plataforma. Já para outras, como histórico de conversas e documentos, a DeepSeek não informa o período de retenção. Pela LGPD, o armazenamento de dados deve acontecer apenas pelo tempo necessário para a empresa cumprir a finalidade da coleta. A lei, no entanto, não estabelece um prazo.

Para Rony Vainzof, sócio e advogado especialista em direito digital do VLK Advogados, a DeepSeek deve passar por processo similar a outras ferramentas de IA que foram pressionadas a serem mais transparentes em suas políticas de privacidade e darem aos usuários opções de oposição.

— Esses questionamentos vão acontecer e devem acontecer. Porque um serviço como esse já nasce para ser global, então precisa respeitar as legislações vigentes. Naturalmente eles vão precisar adotar um nível maior de adequação — afirma Vainzof, que acrescenta que poderão ocorrer questionamentos sobre as transferências internacionais de dados e quais o nível de proteção dessas informações na China.

Fonte: O Globo

Fonte Diário Do Brasil

Compartilhar matéria no
Perigo: DeepSeek envia dados à China, retém informações por tempo indeterminado e rastreia até ritmo de digitação