
Universidade recebeu notificação extrajudicial da Anajure após evangélicos relatarem proibição de encontros de orações e estudo bíblico.
Desde 2016, estudantes universitários evangélicos matriculados na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) realizam breves encontros para fazer orações e estudos bíblicos nos intervalos das aulas, utilizando as instalações da Centro de Artes, Design e Moda (Ceart). Eles fazem parte da Cru, uma rede internacional criada em 1951 pelo evangelista americano Bill Bright, com o nome original Campus Crusade, e desde então dedicada a integrar fiéis e desenvolver projetos missionários, especialmente no ambiente universitário.
Em dezembro de 2024, a iniciativa foi proibida, de forma unilateral e sem aviso prévio, pela diretora-geral do Ceart. “A diretora entrou em contato pelo Instagram do grupo pedindo o contato do responsável pelos encontros na Udesc, afirmando que tinha interesse em participar, me contatou pelo WhatsApp e pediu uma chamada de vídeo que foi realizada na mesma hora. A chamada tinha como finalidade a proibição, que não aconteceu por meios oficiais da faculdade”, afirma Beca Borre, de 21 anos, estudante de Moda e uma das líderes do grupo de estudantes.
“A diretora ameaçou os estudantes com medidas disciplinares, interrupção das reuniões por seguranças e até denúncia ao Ministério Público caso as reuniões fossem novamente realizadas”, relata o advogado Matheus Carvalho, diretor executivo da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure).
Na avaliação de Carvalho, a medida é discriminatória. “A diretoria da Udesc feriu a liberdade religiosa dos estudantes ao impedir a realização de seus encontros nos intervalos das aulas tão somente por seu caráter religioso. Ao mesmo tempo, o espaço da faculdade é palco de reunião de grupos ligados a outras religiões, enquanto a própria unidade realiza eventos que celebram a tradição de outros grupos religiosos, envolvendo reverências às suas divindades.”
A aluna relata que, durante o contato, a diretora disse que os seguranças da universidade poderiam ser acionados para interromper a reunião. “Afirmou ainda que eu, aluna responsável pelo movimento, poderia sofrer uma advertência disciplinar por ir contra a proibição. Ao perguntar se eu poderia continuar abrindo minha Bíblia para conversar sobre o conteúdo com um colega, apenas foi dito que posso fazer o que quiser, mas terei que lidar com as consequências.”
Defesa de outras religiões
Os alunos da instituição de ensino catarinense buscaram apoio jurídico da Anajure, que em março protocolou uma notificação extrajudicial. Procurada, a Udesc não prestou informações sobre o caso. A diretora do Ceart também foi contactada por e-mail e não se manifestou. Em 2015, ela alcançou o doutorado com a tese “Possível cartografia para um corpo vocal queer em performance”.
Desde 2024, orienta a pesquisa de iniciação científica “Nós somos a terra”, cujo relatório informa: “Como elemento musical também utilizamos a cantiga/ponto (música de saudação para entidades e divindades cultuadas dentro de barracões e ou terreiros de Umbanda) de saudação a orixá Iansã Ela é Oyá (…). É importante destacar que cada integrante do grupo cênico tinha como figurino a cor de representatividade do seu/sua determinado(a) orixá”.
“A explicação fornecida pela diretora foi que fazer encontro religioso dentro da Udesc fere laicidade do estado porque a universidade não pode promover religião, mas na verdade esse encontro não tem nenhuma ligação formal com a instituição, é algo voluntário dos alunos”, afirma a aluna. “A universidade, sim, promove eventos artísticos valorizando a cultura da umbanda, o que não é um problema para nós, mas também não condiz com a proibição. Entendemos que a laicidade garante a neutralidade do estado e a liberdade para que inclusive outros grupos possam se reunir”. Diante da notificação enviada pela Anajure, o grupo voltou a se encontrar.
Reuniões pacíficas
A Cru realiza reuniões em dezenas de instituições do mundo, incluindo a Universidade de Harvard. No Brasil, está presente em mais de 250 instituições de ensino. No caso do grupo que atua na Udesc, os encontros são semanais. “Nossas reuniões tinham cerca de 10 pessoas e acontecem uma vez por semana para compartilhar dificuldades, orar uns pelos outros, estudar sobre Jesus e aplicar os ensinamentos da Bíblia às nossas vidas. Isso não acontecia em horário de aula e, de forma alguma, interferia no funcionamento da faculdade”, diz Borre.
“Não realizamos cultos e não somos uma igreja. Pelo contrário, incentivamos os participantes da Cru a congregarem em suas igrejas, pois nossas reuniões não as substituem, apenas cremos que em todos os ambientes podemos nos aproximar mais de Deus. Acreditamos que Cristo está disponível para todo aquele que quiser conhecê-lo, por isso não somos uma ‘bolha evangélica’ e temos, inclusive, a presença de pessoas de outras religiões, como budismo, catolicismo, seicho-no-ie e agnósticos”, rela reforça.
O grupo, relata ela, leva uma mensagem de esperança por meio de dinâmicas na acolhida de calouros e outras ocasiões esporádicas para universitários que chegam ao campus de Florianópolis se sentindo sozinhos ou aflitos. Também são enviados estudantes para participar de projetos missionários. Diante do impacto das enchentes do Rio Grande do Sul em 2024, por exemplo, um grupo do Cru Udesc se deslocou para ajudar em limpeza de casas e distribuição de alimentos.
Fonte: Gazeta do Povo
Fonte Diário do Brasil