A capacidade de se reinventar é intrínseco de todos nós humanos, mesmo que isso passe desapercebido. Essa habilidade é inerente da necessidade de sobrevivência associada ao atributo intelectual que nos capacita a viver além dos instintos. Você já refletiu quantas vezes seus ideais e suas paixões passaram por metanóias e metamorfoses? Pois é, o nosso tempo, denominado pelo sociólogo e filósofo judeu polonês Zygmunt Bauman como a “Modernidade Líquida”, não nos dá muitas chances de estagnação em “ninhos de conforto” ou “zonas de segurança”. Os conceitos se liquefazem e fluem como a água invadindo uma casa e uma senhorinha idosa com um rodo nas mãos tentando inutilmente secar o chão. Quando você tenta entender o que o mundo está dizendo, aquilo já passou e você já está sendo desafiado a voltar os ouvidos a outras vozes. Vale a pena sinalizar que a reinvenção vai além de renovação. Renovar é retroalimentar o ânimo para seguir o mesmo curso programado, no entanto, reinventar é quebrar o paradigma e estabelecer novo conceito e novo conteúdo. É uma conversão radical em alguma área. Alguns fatores parecem nos colocar, vez ou outra, frente a esse tema. O primeiro deles eu diria que são as necessidades do mercado. Lembro-me de um empresário que nos idos de 1989 investiu uma fortuna montando uma empresa de assistência às diversas marcas de máquinas de datilografia. Contratou e treinou a equipe, investiu em equipamentos, elaborou um sistema arrojado de divulgação e montou a carteira de clientes. Enfim, quando ia dar o start no empreendimento, os computadores com suas impressoras matriciais engoliram repentinamente o mercado das máquinas de escrever. De um momento para o outro ele precisou reinventar-se como empreendedor. Por este viés, penso que as igrejas locais, em seus níveis de ação, precisam reinventar seu estilo. Não me refiro a abrir mão de valores ou da essência da fé reformada, mas dialogarmos com uma sociedade que se distanciou do Brasil Rural, contexto em que grande parte das nossas IPI’s se solidificaram. Somos um Brasil Urbano que espera igrejas contextualizadas, com respostas a anseios da Pós Modernidade. Recentemente visitei uma igreja numa cidade com altíssimo índice de suicídio e alta incidência de depressão. Não obstante, a igreja nunca empreendeu qualquer ação nesta direção, nem ao menos um sermão de domingo. Ao contrário, observei comunidades que montaram grupos de apoio, colocaram atendimento pastoral e psicológico ao dispor, treinaram conselheiros leigos, dialogaram com escolas e associações de bairro e aproveitaram a mídia local para as chamadas. Uma excelente leitura neste viés, é a obra do J. Stott “Ouça o Espírito, Ouça o Mundo”. O segundo fator é a própria rota da vida que vez ou outra nos cobra reinvenção. Na verdade todos nós nos renovamos ou nos refazemos constantemente. Foi o filosofo Herácleto quem disse: “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”, isso por uma questão obvia: na segunda vez as águas não serão mais as mesmas, a pessoa será outra (alguns minutos ou anos mais velha). Entretanto, apesar das constantes pequenas transformações, há quem arrisque as macro inovações, como deixar a metrópole com prédios cinzentos e cheiro de fumaça, para ir morar no sítio com cavalos e pés de manga. Li acerca dos profissionais que mudam radicalmente de área de atuação e isso para procurar novos horizontes em algo que realmente lhe atrai. Em média esta mudança drástica se dá aos 42 anos de idade e é mais comum aos homens do que às mulheres. Um amigo por exemplo, após trinta anos trabalhando no mesmo banco, aderiu a um programa de demissão voluntária e foi para o comércio. Alegava que o estresse do terno, gravata e cálculos o consumiam. Por vezes a maturidade pessoal nos leva a um novo estilo de vida, que necessariamente vai se desdobrar na ruptura com o velho. Lembro-me de um menino que foi influenciado pelo pai a estudar direito, no entanto sua paixão era tocar piano. Após a formatura em direito, usou os primeiros anos da profissão apenas como o “degrau de apoio” para se preparar na música. Depois nunca mais quis saber do direito, portanto uma reinvenção por obstinação pessoal. O terceiro fator é o que eu chamaria de “fator geracionalidade”, que tem a ver com o jeito de ser de uma geração que vive a multifuncionalidade, o pragmatismo e a constante inovação. Não julgo que isso seja bom ou ruim, mas trata-se de uma característica da Geração Z, nascidos e criados no turbilhão das mudanças velozes da tecnologia, entre 1990 e 2010. Neste contexto, as mudanças radicais de emprego, endereço, formação ou relacionamentos já não são tão radicais assim. Aliás, muito opostos aos da geração Baby Boomers (nascidos logo após a 2ª Guerra Mundial), que prezam pela segurança e estabilidade. Lembro-me de alguns irmãos da igreja que começaram e terminaram a longa carreira profissional numa mesma empresa. Pois bem, pensando em como podemos lidar com estas transformações abruptas, podemos refletir em algumas direções.
1) Precisamos saber a vontade de Deus para a tal mudança. Paulo, o apóstolo, associa a renovação da mente à vontade de Deus. Em Romanos 12:2 ele nos orienta: “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” O missionário escocês David Livingstone, incentivando jovens missionários dizia: “A vontade de Deus nunca irá levá-lo aonde a graça do Senhor não irá protegê-lo.” Quando desafiados pelo novo, oremos buscando a vontade de Deus.
2) A seguir, planejemos o que, quando e como será a nova etapa. Ninguém, de sã consciência, se lança a uma “aventura” sem antes fazer os devidos cálculos. Em Lucas 14:28, o Senhor nos alerta: ”Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar?”
3) Precisamos ouvir a outros. Todos nós temos pontos cegos em algumas áreas da vida. São facetas que outros enxergam por nós. Em Provérbios 15:22 e 24:6, lemos: “Onde não há conselho os projetos saem vãos, mas, com a multidão de conselheiros, se confirmarão… Porque com conselhos prudentes tu farás a guerra; e há vitória na multidão dos conselheiros.” Que Deus nos dê sabedoria e segurança nas reinvenções da vida.
Marcos Kopeska
É pastor da 3ª IPI de Marília, presidente do Presbitério Marilia. Graduado em Teologia pela UMESP, pós graduado em Terapia Familiar Sistêmica e pós graduado em Saúde Mental e Psicopatologias.