Eu ministrava uma série de palestras num encontro para casais em Aracaju, verão de 2010, quando fui procurado por um médico que recém retornara do Haiti, onde esteve em socorro às vítimas do terremoto que devastou o país, a serviço da ONG Médicos sem Fronteiras. Não obstante sua fé evidente, questionou-me, numa conversa mais reservada: “Pastor, onde está Deus nesta tragédia?” Ao longo da conversa, lembramo-nos, do paradoxo de Epícuro, filósofo da Grécia Antiga, que tentou entender Deus a partir do sofrimento humano e entrou em crise existencial. O trilema de Epícuro tornou-se um ponto de interrogação para a história:
“Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode.
Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus.
Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus.
Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus.
Se pode e quer, que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então existência dos males? Por que razão é que não os impede?”
Um sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, disse que a pergunta que todos os dias se ouvia era: “Onde está Deus?” A mesma pergunta padres e pastores fizeram frente a maior cova comum, com 250 mil corpos de hutus e tutsies mortos em conflito étnico de Uganda em 1994. Agostinho de Hipona, filósofo e teólogo, seiscentos anos depois de Epícuro, respondeu de uma forma interessante, mas ainda um pouco aquém do que seria uma resposta no contexto do século 21: “Mal é a privação do Bem, ocorrendo somente nas práticas dos seres, pois não pode ser algo, só ocorrência. Desta maneira, o Mal é a ação corrompida daquele ser que, dotado de consciência, opta pelo não-Bem, ou seja, pelo Mal.” Em outras palavras, o mal é a ausência do bem. Se eu fizesse uma leitura fundamentalista, diria que: Deus está presente ao lado do órfão que chora, ao lado da viúva inconsolada e ao lado do pequeno investidor que perdeu tudo. Deus está no respirador, está com o médico que precisa escolher quem morre e quem vive, e está junto ao coveiro que silenciosamente sepulta centenas de corpos que não foram velados. Deus está no sofrimento humano, assim como está nas conquistas e nas vitórias dos homens. Aliás, ele nunca prometeu a vida imune das dores inerentes da nossa existência, mas prometeu presença e esperança. Somos subprodutos de um contexto de ódio racial, violência das diversas esferas da sociedade, corrupção política, ambições desenfreadas das organizações bilionárias e, além disso, vivemos em um corpo que não é eterno. O céu não é aqui. Aqui somos humanos, falíveis e mortais, vivendo num planeta afligido pela degeneração moral e ética. Toda tentativa de entender Deus a partir do sofrimento humano é egoísta e limitada, assim como toda a tentativa de entender Deus a partir da prosperidade é egoísta e piegas. Na verdade podemos encontrá-lo em todos os extremos e estágios da vida. Um amigo, Rev. M. Inhauser, diz que se não houvesse sofrimento, pelo menos 150 capítulos da Bíblia não precisariam estar lá, dentre eles os livros completos de Lamentações e de Jó. A história da humanidade, assim como nossas histórias particulares, são pontilhadas de infortúnios e alegrias, e a vida não seria vida se assim não fosse. O sábio Salomão registrou este equilíbrio em Provérbios 30.8-9: “Afasta de mim a falsidade e a mentira; também não me permitas viver em extrema pobreza nem em grande riqueza; concede-me o sustento diário necessário. Para que não ocorra que, tendo em demasia, venha eu a imaginar que não preciso do Senhor. Ou, passando miséria, acabe roubando e envergonhando o teu Nome, ó meu Deus!…” É fato que na prosperidade, conforto e saúde, temos a tendência ao empoderamento e isso inevitavelmente se desdobra em esquecimento da dependência de Deus. O mesmo sábio escreveu mais adiante: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir a casa onde há banquete; porque naquela se vê o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração. Melhor é a mágoa do que o riso, porque a tristeza do rosto torna melhor o coração. O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos na casa da alegria.” (Eclesiastes 7.2-4). Em resumo, esta balança equitativa da vida nos faz mais preparados. Lembro-me das palavras do filósofo C.S. Lewis: “O sofrimento é o megafone de Deus para um mundo ensurdecido”. Deus está onde sempre esteve e sofrimento não é questão de castigo ou de ausência divinos, mas trata-se de uma parte da grande didática para a vida.
Reverendo Marcos Kopeska é graduado em Teologia, pós-graduado em Terapia Familiar Sistêmica, pastor da 3ª Igreja Presbiteriana Independente de Marília, escritor, colunista, apresentador do Programa de TV ‘Vida em Gotas’ e conferencista em eventos para casais. Casado com Gislaine, é pai de Gabrielly e Lucas.