Enquanto escrevo estas linhas, estamos indo para sete meses de isolamento social, atônitos pela insegurança na economia, assistindo os “titãs” construírem uma nova versão da guerra fria, perplexos com colapso na saúde e rindo dos memes da “diarreia” na política nacional (o que não é novidade para brasileiros). Mas o elemento que parece surgir discretamente, se avolumar venenosamente e transitar sutilmente neste emaranhado de novos paradigmas é o ódio racial. A leitura que faço a respeito deste fenômeno é que estamos num planeta onde nunca antes estivemos tão unidos na mesma dor, comungando as mesmas tensões, fragilizados pelas mesmas mazelas, isso somado à superpopulação da nossa “grande casa”. Você já imaginou passar suas férias de verão numa casa superlotada entre amigos e estranhos? Chove durante as férias e todos têm que ficar o mês juntos disputando espaços. Para piorar, a estrada da volta é interditada e vocês ficam trancafiados por mais um mês… dois meses… três… seis… sete… Naturalmente surgirão faíscas, brigas, discussões, surtos de raiva, enfim, um reality show, reality mesmo. Hoje nosso planeta é esta casa e as tensões vão além de palavrões, mau humor e caras emburradas. Elas são expressas, nesta grande casa lotada que chamamos de Planeta Terra, com polarização política crescente, culpabilidade impensada e ódio étnico ascendente. Quero deixar alguns argumentos para nos policiarmos contra qualquer tipo de ódio racial; e o faço em forma de insights, pois se fosse explanar, seria material para algumas teses robustas.
1) Usamos lentes opacas para vermos o próximo. Nós humanos, por natureza, em razão do sistema neural primitivo, somos tentados a catalogar nossos semelhante num sistema binário (nós e eles, isso ou aquilo, pró ou contra, amigo ou inimigo, bom ou ruim…). O racismo, a etnofobia e o exclusivismo são mais algumas destas ilusões venenosas do tipo “nós / eles”. Quando estive na África, fiquei impressionado com a forma com que este binômio está arraigado nas culturas. Ouvi relatos de igrejas dirigidas por “kikuyos” que não recebem e nem ao menos cumprimentam cristãos da etnia somali e massai. Eles mesmos não conseguem explicar a causa, mas aprenderam assim e reproduzem o que aprenderam. Em suma, não sabemos porque estabelecemos estes muros, abismos e bloqueios, mas os perpetuamos.
2) O diferente na verdade é semelhante. Pois é. Na verdade, somos mais consanguíneos entre nós humanos do que imaginamos. Em uma cerimônia na Casa Branca, 26 de junho de 2000, o presidente americano Bill Clinton, Francis Collins (diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano) e Craig Venter, anunciaram ao mundo anunciaram ao mundo a conclusão do primeiro esboço do genoma humano – a receita genética que cria seres humanos. Na ocasião Venter descreveu quão ilusórias são as diferenças raciais a nível dos genes. Os genes de qualquer ser humano em particular, são 99,9% idênticos ao de qualquer outro ser humano, mais do que qualquer outra espécie da natureza. No entanto, estranhamente, insistimos em formar nossos abismos étnicos. Resumindo essa prosa, como diria meu pai, somos todos feitos, literalmente, do mesmíssimo barro.
3) Ódio é subproduto do medo. As verdades bíblicas nunca ficam velhas. São atuais, algumas delas como se tivessem sido escritas ontem. O que a ciência do comportamento estudou de trinta anos para cá, o apóstolo João registrou há quase dois mil anos atrás na sua epístola: “No amor não há medo antes o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor.” (1 João 4:18) O ódio procede do medo de alguém se sobressair e ocupar seu status, medo de alguém lhe roubar algo, medo de que circunstâncias dolorosas se repitam… O ódio e o medo fazem o mesmo trajeto pela região neurocortical do cérebro, despejam adrenalina na corrente sanguínea na mesma proporção e inflamam na para ações na mesma proporção. Impressionante que, nas Escrituras Sagradas o antídoto do medo não é a coragem, mas o amor. Ambas as emoções, medo e ódio, reúnem altíssimo poder de contágio social. A arma mais eficaz para conter ambos é o amor. Quem ama não teme e não odeia. Logo na capa do livro “Por que Odiamos”, do Rush W. Dozier, encontramos a solene advertência: “O ódio é a mais terrível de todas as armas de destruição em massa, e precisamos encontrar um meio de desativá-la.” Continuo acreditando que temos esta arma, da parte de Deus, e podemos aperfeiçoá-la.
Meu apelo, finalmente é, não se inflame com os embates polarizados com o combustível do binômio “nós/eles”, mas com o amor ao estilo Jesus ou, se você não é cristão, estilo Gandhi. Tenho um amigo em Maringá com o qual discordo absolutamente nos seus conceitos políticos, e pior, ele torce por aquele time que é o “rival absoluto” da ordem e das boas maneiras. No entanto a amizade e o amor cristãos nos unem em outros ideias mais nobres, a ponto de rirmos das nossas diferenças. Elas não são ignoradas, mas são insignificantes quando estamos unidos em Cristo. Um influenciador de Nelson Mandela, o evangelista João Wesley, do século 18, dizia: “Amar e temer a Deus? Isso é o bastante! Estendo-te a mão direita do companheirismo, somos irmãos”. Que Deus nos dê a consciência do nosso papel na “despressurização” do planeta.
Rev. Marcos Kopeska – Pastor da 3ª IPI, escritor e terapeuta familiar sistêmico.