Valter Campanato/Agência Brasil

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta terça-feira (21) o engenheiro Carlos César Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal (IVL), a sete anos e seis meses de prisão, no julgamento do Núcleo 4, o chamado “núcleo da desinformação”, da suposta tentativa de golpe de Estado.

Segundo o ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal 2694, Rocha teria falsificado o documento que serviu de base para a ação do Partido Liberal (PL) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pedia a anulação de parte das urnas usadas no segundo turno das eleições de 2022. O ministro afirmou que, ao elaborar o relatório, o engenheiro “sabia que não havia irregularidades no sistema de votação” e, mesmo assim, manteve a versão final que sustentava dúvidas sobre o processo eleitoral.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Carlos Rocha disse que respeita o Supremo, mas discorda da decisão. “Fui condenado com base em um relatório que analisa eventos efetivamente registrados nos arquivos de log das urnas. Esses eventos são verdadeiros e foram confirmados em juízo pelo secretário de TI do TSE”, afirmou.

Segundo ele, “o relatório do IVL não afirma fraude nas urnas, porque não cabia à auditoria determinar causas dos achados”. “A própria PGR reconheceu que o documento não é falso ao dizer que “foi deturpado”. No fim, acabei tratado como o “mordomo de um roteiro de ficção criminal”: o contratado técnico é punido, enquanto o contratante político não foi acusado”, completou.

O PL, que utilizou o relatório do Instituto Voto Legal para questionar o resultado das urnas, foi multado por litigância de má-fé pelo TSE.

Rocha também reafirmou que o trabalho do IVL foi técnico e sem intenção política, com o intuito de fortalecer sistemas e processos. “Auditar não é atacar. É uma verificação independente, como um check-up médico. Quando há indício de anomalia, o auditor informa — não acusa. Os relatórios do IVL foram entregues como contribuição construtiva para o aprimoramento do sistema eleitoral brasileiro, e não como contestação da Justiça Eleitoral”, explicou.

O ministro Alexandre de Moraes votou pela absolvição de Rocha quanto aos crimes de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, mas o condenou por organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ele foi acompanhado por Cristiano Zanin, Flávio Dino e Cármen Lúcia. Já Luiz Fux divergiu dos demais. Com isso, o resultado do julgamento na Primeira Turma ficou em 4 a 1 pela condenação de Rocha e dos outros seis réus do Núcleo 4.

O engenheiro informou que pretende recorrer da condenação e alegou a existência de contradições na cronologia dos fatos apresentados pela acusação. “O relator afirma que informações do relatório do IVL sustentaram a live do argentino Fernando Cerimedo, de 4 de novembro de 2022. Isso é impossível, pois a elaboração do nosso relatório começou em 11 de novembro, uma semana depois”, disse.

Rocha também afirmou que houve confusão entre constatação técnica e imputação de dolo. “Registrar eventos nos logs das urnas não é o mesmo que apontar causas. Houve erro factual que invalida a narrativa acusatória”, sustentou.

PGR reconheceu que Rocha não afirmou que havia fraude nas urnas

Na ação penal 2668, referente ao chamado “Núcleo 1” das investigações da suposta trama golpista, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que o relatório do Instituto Voto Legal não era falso, mas havia sido “deturpado em seu conteúdo”. A PGR reconheceu que o autor, engenheiro Carlos Rocha, não afirmou em nenhum momento que havia fraude nas urnas.

O relator, contudo, reconheceu não haver provas de troca de informações entre Rocha e os demais réus do processo.

Durante o julgamento, o ministro Luiz Fux reforçou que não há provas de fraude nas urnas eletrônicas, mas defendeu a prerrogativa do Congresso em discutir o voto impresso.

“Nem sempre a segurança da votação eletrônica é adequadamente apreciada. A impressão do voto não é retrocesso nem fonte de desconfiança, mas uma escolha legítima dos representantes eleitos”, afirmou.

Além de Rocha, outros seis réus – em sua maioria militares da reserva e ex-agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – também foram condenados por criar e disseminar desinformação sobre as urnas e atacar instituições e autoridades.

Com relação ao detalhamento da pena, o site do STF informa que Carlos Rocha foi condenado a “sete anos e seis meses de pena privativa de liberdade, sendo sete anos de reclusão e seis meses de detenção, além de 40 dias-multa (cada dia-multa no valor de um salário mínimo à época dos fatos). Regime inicial semiaberto”.

Presidente do Instituto Voto Legal critica politização sobre urnas e cita presidente do PL

Questionado sobre uma possível politização do caso, Rocha avaliou que isso ocorreu “por enquadramento narrativo”. “Um trabalho técnico foi lido como ato político. Houve seletividade na responsabilização — o perito é criminalizado; o contratante político, não. Isso inibe auditorias independentes e empobrece o aprendizado institucional.”

Mesmo após a condenação, o presidente do IVL diz que o instituto seguirá atuando na “certificação, fiscalização, apuração, totalização e auditorias independentes para as eleições brasileiras”.

“Auditar não é atacar; é fortalecer o sistema eleitoral por meio de verificação independente. Criminalizar o perito desincentiva boas práticas e enfraquece o ecossistema de controle”, afirmou.

O advogado Melillo Dinis do Nascimento, que defende Rocha, também opinou que há contradição evidente no processo. Ele lembrou que o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que encomendou o relatório e o apresentou ao TSE, não havia sido denunciado.

“O funcionário que produziu os relatórios está sendo processado. O contratante, não. É algo inusitado. A ausência de Valdemar Costa Neto [presidente do PL] retira a acusação contra o meu cliente”, disse à imprensa.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu reabrir a investigação contra Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, por envolvimento na suposta trama golpista.

Por 4 votos a 1, os ministros acolheram a proposta do relator, ministro Alexandre de Moraes, apresentada durante o julgamento do “Núcleo 4” — grupo acusado de disseminar desinformação sobre as urnas eletrônicas.

Com a decisão, o inquérito será reaberto para apurar supostos crimes de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Em 2024, Costa Neto havia sido indiciado pela Polícia Federal, mas a Procuradoria-Geral da República (PGR) não apresentou denúncia contra ele em nenhum dos quatro núcleos investigados.

Procurada, a defesa de Valdemar Costa Neto informou que não vai se manifestar sobre a decisão do STF.

Fonte: Gazeta do Povo

Fonte Diário Do Brasil

Compartilhar matéria no
Presidente do Instituto Voto Legal é condenado sem ter apontado fraudes nas urnas