Isabella Finholdt / Metrópoles

O deputado Rui Falcão (PT) protocolou no STF, nesta segunda-feira (8/9), um pedido para que Tarcísio de Freitas seja investigado por suposto crime de coação no curso do processo, incitação ao crime e abolição violenta do Estado Democrático de Direito após dizer, em discurso na Avenida Paulista, que Alexandre de Moraes age com “tirania”. A representação foi endereçada ao gabinete do próprio ministro Moraes e tem o aval de Lindbergh Farias, líder do PT na Câmara dos Deputados.

No documento obtido pela coluna, Rui Falcão pede abertura de inquérito contra Tarcísio, bem como imposição de medidas cautelares “para assegurar a ordem pública e a regularidade do processo”. O parlamentar solicita, ainda, análise do caso pela Procuradoria-Geral da República e comunicação à Assembleia Legislativa de São Paulo sobre possível crime de responsabilidade do governador.

Na representação enviada pelo deputado do PT ao gabinete de Alexandre de Moraes, Rui Falcão argumenta que a fala de Tarcísio “configura ato antidemocrático”. Diz o texto:

“No dia 7 de setembro de 2025, durante manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP) proferiu discurso no qual ultrapassou qualquer limite de expressão ou crítica política, dirigindo-se de forma direta e hostil ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal relativa à trama golpista de 8 de janeiro de 2023.

Em sua fala, Tarcísio declarou: “Nós não vamos mais aceitar que nenhum ditador diga o que a gente tem que fazer”, em clara referência ao Ministro Alexandre de Moraes.

Em outro trecho, acompanhando gritos da plateia de “Fora Moraes”, afirmou: “Ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como o Moraes”.

Ainda, citou trecho de fala do Ministro André Mendonça: “O bom juiz deve ser reconhecido pelo respeito, não pelo medo. Deve ser reconhecido pela aplicação correta das leis” — com o inequívoco propósito de distorcer o discurso para atacar seu colega de Corte e insinuar abuso de autoridade.

As manifestações ocorreram em contexto político sensível: o julgamento da tentativa de golpe de Estado no STF. O representado, em meio a essa conjuntura, buscou deslegitimar o processo, defender anistia irrestrita a Jair Bolsonaro e aos golpistas, e incitar a desobediência a decisões judiciais.

A Constituição da República estabelece, em seu art. 2º, que os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si. Ao conclamar em praça pública que “nós não vamos mais aceitar que nenhum ditador diga o que a gente tem que fazer”, em referência ao Ministro Alexandre de Moraes, o governador de São Paulo não apenas afronta um membro do Supremo Tribunal Federal, mas atenta contra a própria independência do Poder Judiciário.

Liberdade de expressão

A representação prossegue:

“A fala do representado não se confunde com o exercício da liberdade de expressão. A liberdade de expressão de agentes políticos encontra limitesquando se volta a incitar a população à desobediência a decisões judiciais, promovendo a erosão da autoridade da Corte Suprema. A retórica, quando proferida por quem exerce função de Chefe de Estado federado, adquire contornos de ameaça institucional.

O art. 5º, XXXV, da Constituição consagra a cláusula da inafastabilidade da jurisdição, segundo a qual nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. Ao declarar que não aceitará decisões do Supremo, o governador de São Paulo incita justamente a negação desse preceito fundamental, o que caracteriza ato antidemocrático.

O tipo penal de coação no curso do processo (art. 344, CP) exige a prática de violência ou grave ameaça para constranger autoridade no exercício de função. O discurso público de Tarcísio, direcionado ao relator da ação penal da trama golpista, é, em tese, apto a produzir intimidação e a gerar ambiente hostil, constituindo grave ameaça à independência do magistrado.

Além disso, o art. 286 do Código Penal tipifica a incitação ao crime, bastando que haja estímulo público à prática de conduta ilícita. Quando o representado convoca a desobediência a ordens judiciais, em tese, incita um comportamento ilícito generalizado, colocando em risco o próprio funcionamento da Justiça.

A conduta também pode ser interpretada como possível tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), no sentido de restringir ou impedir o funcionamento do Poder Judiciário. A incitação ao descumprimento de decisões judiciais insere-se na narrativa golpista de fragilizar a autoridade do STF, num processo de golpe continuado que visa minar a ordem constitucional.

O contexto é determinante. As falas ocorreram durante ato político em defesa da anistia para Jair Bolsonaro e seus aliados acusados de tentativa de golpe de Estado e outros crimes. Assim, a declaração de Tarcísio não é isolada, mas parte de uma estratégia de deslegitimação do Judiciário e de preparação para a impunidade via anistia, o que reforça o aparente caráter ilícito da manifestação.

A jurisprudência do próprio STF é firme em reconhecer que manifestações que buscam intimidar magistrados ou constranger o Judiciário não estão protegidas pela liberdade de expressão, mas configuram ilícitos penais e políticos. Precedentes como o Inq. 4.781 (inquérito das fake news) são claros ao estabelecer que tais condutas atentam contra a democracia.”

“Ditador”

“O uso da palavra “ditador” para qualificar um ministro do STF não é crítica dura ou retórica política: é agressão institucional, que procura deslegitimar decisões judiciais e instigar a percepção de que devam ser descumpridas. É gravíssimo que tal declaração parta de quem detém responsabilidade de governar o maior Estado da federação.

A Constituição Federal, em seu art. 85, II e VII, prevê como crime de responsabilidade os atos do chefe do Executivo que atentem contra o
livre exercício do Poder Judiciário. O discurso de Tarcísio, em tese, se amolda à previsão constitucional, pois tem como efeito direto atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário e o cumprimento das leis e das decisões judiciais, com a aparente finalidade de enfraquecer a atuação independente da Corte Suprema.

A Lei nº 1.079/1950, em seu art. 4º, reforça essa previsão, qualificando como crime de responsabilidade qualquer conduta de governante que atente contra a probidade administrativa, o livre exercício do Poder Judiciário e a observância das leis e das decisões judiciais. O governador, ao incitar a desobediência, supostamente viola frontalmente esses dispositivos.

Do ponto de vista político-criminal, é inadmissível que um governador empregue sua posição institucional para criar um ambiente de
hostilidade contra o STF, especialmente em meio a julgamento de alta sensibilidade institucional. Isso contribui para a normalização da
insubordinação ao Judiciário, corroendo pilares do Estado de Direito.

Ao incitar a massa contra o STF, Tarcísio fomenta um ambiente de desinformação e hostilidade que pode resultar em agressões físicas, descumprimento em larga escala de ordens judiciais e incentivo à prática de novos atos antidemocráticos, à semelhança do 8 de janeiro.

O STF, em sua função de guardião da Constituição, não pode se deixar de impor a sua autoridade constitucional diante de um governador que estimula publicamente o descumprimento de ordens judiciais. Tais condutas exigem pronta resposta para garantir a preservação da ordem constitucional e a proteção da independência judicial, inclusive, se necessário, com a imposição de medidas cautelares.

A noção de “golpe continuado” tem sido discutida recentemente a partir de desdobramentos que transbordam o lamentável episódio de 8 de Janeiro de 2023, como por exemplo, o sequestro das Mesas Diretoras do Congresso Nacional no 6 de agosto de 2025. As falas de Tarcísio inseremse nesse conceito, na medida em que buscam perpetuar a instabilidade, corroer a legitimidade do STF e manter viva a chama da insurreição golpista.

A fala de Tarcísio, portanto, deve ser vista como um ato antidemocrático em si, pois busca corroer a base de funcionamento do sistema constitucional. Um Estado democrático não sobrevive se a obediência a decisões judiciais se tornar mera faculdade sujeita ao arbítrio político.

Não há precedente tolerável em que um governador de Estado incite publicamente a desobediência ao STF. A gravidade do caso exige
resposta proporcional e imediata, com investigação criminal, responsabilização política e eventual aplicação de medidas cautelares para impedir a reiteração da conduta.

Em síntese, o discurso de Tarcísio de Freitas configura um atentado frontal contra a independência do Poder Judiciário, incitação à
desobediência às decisões judiciais e ato de intimidação contra o relator da ação penal da trama golpista. Trata-se de conduta que, ao
mesmo tempo, pode configurar crime comum, crime de responsabilidade e ato antidemocrático inserido em contexto de golpe continuado, devendo, portanto, ensejar pronta atuação da ProcuradoriaGeral da República e do Supremo Tribunal Federal.”

Fonte: Metrópoles 

Fonte: Diário Do Brasil

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PT pede a Moraes que Tarcísio seja investigado após falar em “tirania”