O Ministério da Saúde divulgou dados da pesquisa Vigitel que mostra hábitos e estado de saúde da população brasileira e um dado chama muita atenção: 22, 35% dos pesquisados se declara com obesidade, ou seja, o peso está acima do Índice de Massa Corporal (IMC) de 30 kg/m². Há 15 anos, quando em 2006 foi realizada a primeira pesquisa Vigitel, este percentual era de 11,86%. Ou seja, dobrou a população de obesos em 15 anos. Se antes, era um obeso a cada dez pessoas, agora são dois obesos a cada dez ou um a cada cinco. O salto é bem maior entre os declarados acima do peso, com IMC entre 25 Kg/m² e 30 Kg/m², que em 15 anos, subiu de 42,74% para 57,25%. É um grande aumento também, mas num ritmo menor do que entre obesos.
O Atlas Mundial de Obesidade de 2022, divulgado neste domingo (8), aponta que um bilhão de pessoas em todo mundo viverão obesas até 2030. E a OMS também publicou o importante relatório WHO European Regional Obesity Report 2022 sobre o estado da obesidade na região Europeia. Mostra que o excesso de peso e a obesidade estão entre os principais fatores de risco para a mortalidade e incapacidade sendo responsável por mais de 10% de total de mortes na região a cada ano e 7% do total de anos vividos com incapacidade.
“Chama muito a atenção do aumento da obesidade nas populações de baixa renda, que se alimentam de comida industrializada e de pouca qualidade por serem mais baratos. E isso traz um alto custo para o sistema de saúde, com pessoas portadoras de doenças renais crônicas, derrame, hipertensão, diabetes, sequela de infarto. O sistema não irá suportar o custo. A população obesa está sem o apoio necessário para vencer essa doença difícil de ser controlada, chamada obesidade. São pessoas que estão muito acima do peso por diversos motivos diferentes, como genética, ambiente social e condição econômica, e que não conseguem chegar ao peso ideal apenas com dietas restritivas e prática de exercícios físicos. Provavelmente precisam de intervenções mais severas, como uso de medicamentos que auxiliem na redução do apetite, afastamento dos grupos de convivência que incentivam a má alimentação, apoio psicológico e nutricional e acompanhamento para atividades físicas sem lesões. E se chegam ao IMC de 35 kg/m² pode ser que já necessitem de cirurgias bariátricas, mas seguem desamparadas por falta de serviços públicos nessa área ou porque possuem recursos para tratar, mas preferem aceitar a condição da obesidade porque não possuem informações adequada sobre como funciona a cirurgia” diz o médico cirurgião, Cid Pitombo.
Tem sido comum a defesa de que um obeso não é um doente. Sim, muitos não são enquanto jovens, o problema é que os problemas aparecem lá na frente, com a idade avançada. Obesidade e sobrepeso, antes eram considerados problemas de países de alta renda, e agora estão aumentando dramaticamente em países de baixa e média renda, especialmente em áreas urbanas.
“O que a população não sabe é a quantidade de gorduras, farinhas, partes de carnes menos nobres que são misturadas nesses alimentos. Um produto industrializado não sai mais barato à toa. Fora outros problemas que também podem provocar, como a hipertensão e o diabetes, pelo excesso de sal e de açúcar”, fala o médico e pesquisador Cid Pitombo, especializado em tratamentos para obesidade.
E os hábitos ruins de alimentação e também de sedentarismo estão se perpetuando. Os filhos de pessoas acima do peso já estão nascendo com tendência a acumularem mais gordura corporal. A hereditariedade da obesidade está passando entre as gerações familiares.
“O que temos visto é uma aceleração muito acentuada da obesidade entre as crianças, porque elas já não tomam água, querem apenas mate e sucos de caixinha. Os jantares muitas vezes são substituídos por franguinhos prontos, macarrão instantâneo ou hambúrgueres com pão. As crianças não aceitam os legumes e verduras e os pais acham que não há o que fazer. Na lancheira da escola, vão biscoitos recheados e salgadinhos. Mas tentamos mostrar que dá, por exemplo, para colocar legumes batidos no caldo de feijão. Comer legumes e verduras é hábito, uma educação alimentar que começa cedo e deve se manter. Temos que insistir. Se a criança não gosta muito de frutas, mas só ofertamos frutas, ao invés de biscoito recheado, a criança acabará comendo a fruta”, defende o médico Cid Pitombo.
Estar obeso aumenta o risco do aparecimento de dezenas de doenças, não só articular, muscular, cardiológica, pulmonar, bem como uma diversidade de doenças metabólicas como diabetes, alteração do colesterol, doenças renais e muitos tipos de câncer. “E ainda temos as doenças psiquiátricas associadas, como depressão, isolamento social e até suicídio. Não estou afirmando que por ser obeso a pessoa está doente, assim como não falamos que por fumar, também está. O que estamos afirmando é que em ambas as situações aumentam a chance de obesos desenvolverem algumas doenças”, explica.
Doenças ligadas à obesidade – A diabetes é uma doença com maior relação com obesidade. O aumento da gordura, principalmente a visceral (dentro da barriga) leva à produção de substâncias que prejudicam a ação da insulina e da glicose. O aumento de peso tem uma relação direta no aumento da pressão arterial, distúrbios no metabolismo do colesterol e triglicerídeos. “Tudo isso leva a uma chance maior de infarto e desenvolvimento de doenças cardiovasculares associadas. As causas e a relação direta entre câncer e obesidade não são tão conhecidas como a do diabetes e doença cardiovascular. Mas em um encontro de especialistas em câncer em 2007 ficou claramente demonstrada a relação entre alguns tipos de câncer e obesidade, como câncer de pâncreas, pulmão, cólon, esôfago, mama, rim entre outros. E estudos envolvendo quase 60 mil obesos mostraram a clara relação entre obesidade e depressão”.
Já com relação à doença pulmonar, quando o obeso acumula muita gordura no abdome isso irá comprimir o diafragma, o músculo que divide o tórax do abdome. Com isso, comprime-se o pulmão e se dificulta a respiração. Além disso, o tórax fica menos flexível. Substâncias inflamatórias também são produzidas e atrapalham a função pulmonar, elevando a incidência de doenças como bronquite e asma. Um exemplo que comprova esse fato, foi a alta mortalidade de portadores de obesidade durante a epidemia do Covid-19.
“O obeso é um organismo delicado e que pode desenvolver distúrbios musculoesqueléticos. Difundir atividades físicas em obesos, sem a devida orientação, por exemplo, pode levá-lo a lesões. E estar fora do peso aumenta a incidência de doenças osteoarticulares. Cerca de um terço das cirurgias de próteses de joelho no mundo são em obesos e a grande maioria das de quadril também.
Cirurgia bariátrica — Muitas das pessoas com super obesidade, que não conseguiram chegar ao peso ideal com dietas, exercícios físicos e medicamentos recorrem à cirurgia bariátrica. A técnica, que hoje é muito mais simples, segura e menos invasiva, também vem sendo usada para promover uma resolução do diabetes tipo dois em obesos que não chegam a ser considerados super obesos. Por meio de um equipamento chamado videolaparoscopia, em apenas 30 minutos de cirurgia, segundo o Dr Cid Pitombo, é possível separar uma pequena parte do estômago e outra do intestino por onde os alimentos continuarão passando. Assim, o paciente passa a ter menos espaço para armazenar alimentos e também produz menos hormônios que aumentam o apetite. Além disso, no intestino, absorve menos gorduras e por isso o emagrecimento acaba ocorrendo rapidamente quando se pratica uma dieta equilibrada e saudável. Mas quem atinge o peso ideal após a cirurgia, pode voltar a comer de tudo um pouco, desde que respeite as quantidades permitidas, lembra o médico.
Os obesos muitas vezes precisam fazer acompanhamento com psicólogos para aprender a controlar melhor problemas como a ansiedade que os levam a consumir mais alimentos e até mesmo mais álcool. “Depois que emagrecem, eles querem aproveitar a vida e fazer coisas que já não faziam antes. Alguns extrapolam e acabam bebendo e comendo mais do que deveriam. O que leva parte deles a engordar de novo um pouco mais ou nem emagrecer tanto como poderia. Outros abandonam a atividade física. Eu ensino aos meus pacientes que a disciplina é fundamental. Nada na vida é fácil. Atingir metas sempre exige esforço constante. Mas em geral, os que deixam a obesidade no passado sentem-se muito felizes e recomeçam uma nova vida, sem preconceitos e limitações”, finaliza.
Perfil do especialista – O médico Cid Pitombo é especialista em tratamentos de obesidade e cirurgia bariátrica por videolaparoscopia, tendo se tornado referência nacional em seu segmento de atuação, com 30 anos de experiência, sendo 22 com bariátricas. Ao longo de sua carreira, realizou cerca de 5,5 mil cirurgias. Entre elas, 3,5 mil foram pelo Programa Estadual de Cirurgia Bariátrica do Estado do Rio de Janeiro entre 2010 e 2020, coordenado pelo médico. É proprietário da Clínica Cid Pitombo, onde realiza atendimento multidisciplinar para tratamento de obesidade, com acompanhamento psicológico e nutricional para cerca de 100 pacientes por mês, de todo o Brasil. Tornou-se ainda mais conhecido ao operar os atores André Marques e Leandro Hassum, que contribuíram fortemente para disseminar a importância da cirurgia bariátrica. Tem mestrado e doutorado em temas ligados à obesidade e é editor do livro Obesity Surgery: Principles and Practice. Mais informações podem ser obtidas pelo site da clínica.