Por Cristiane Santos, da Agência Einstein
A pandemia de covid-19 pode acelerar o processo de evolução da chamada resistência bacteriana. Isso acontece quando esses micro-organismos conseguem se adaptar e se tornar refratários ao tratamento com antibióticos, dando origem a bactérias mais difíceis de combater.
Consideradas um desafio para a medicina, as chamadas superbactérias já eram motivo de preocupação das principais organizações de saúde antes mesmo do Sars-CoV-2 se espalhar pelos seis continentes e infectar mais de 235 milhões de pessoas.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2019, a estimativa era de que, até 2050, cerca de 10 milhões de pessoas morreriam, a cada ano, por doenças resistentes a medicamentos. Agora, a previsão está sendo revista.
Em fevereiro de 2021, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), afirmou, em um comunicado, que “a resistência aos antibióticos ainda é uma ameaça à saúde pública durante a pandemia” e que estava monitorando “de perto” a relação entre o uso desses fármacos para a doença e a resistência antibacteriana em todo o país. Antes disso, no fim de 2020, a regional europeia da OMS publicou um comunicado alertando sobre esse mesmo risco.
Uma pesquisa comportamental conduzida pela OMS em nove países europeus apontou um crescimento do uso de antibióticos durante a pandemia. Entre os que tomaram esses medicamentos, 79% a 96% afirmaram que os utilizavam acreditando que poderiam prevenir a infecção. Ainda de acordo com a entidade, 75% dos internados em estado grave receberam antibióticos, apesar de apenas 15% terem desenvolvido coinfecções causadas por bactérias, que justificariam a indicação.
Cenário no Brasil
No Brasil, o consumo de antibióticos também parece ter aumentado. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), só em 2020, a venda do antibiótico azitromicina cresceu 105%.
Esse fármaco pode integrar o tratamento de doenças respiratórias causadas por bactérias, porém não é indicado para uso preventivo ou para o combate da covid-19 em si. Nesse contexto, a azitromicina e outros possíveis antibióticos só entrariam em cena quando há uma clara suspeita de coinfecção por uma bactéria oportunista.
“O uso desnecessário ou indiscriminado de antibióticos pode, com o tempo, tornar infecções bacterianas simples em doenças difíceis de serem combatidas”, afirma Geraldo Druck Sant’Anna, médico e professor de otorrinolaringologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
O médico, que também é ex-presidente da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial (ABORL-CCF), explica que as vias aéreas superiores — nariz e cavidade nasal, faringe e laringe — são a porta de entrada para vírus e bactérias causadores de diversas doenças. As infecções virais, mais comuns, são frequentemente tratadas equivocadamente com antibióticos.
“Ainda que no Brasil o consumo de antibióticos seja controlado com a retenção da receita médica desde 2010, é comum que pacientes peçam indicação aos médicos durante a consulta. Também não é incomum o médico prescrever o medicamento por avaliação equivocada, por precaução de piora do quadro ou por não poder acompanhar a evolução do estado de saúde nos próximos dias”, enumera o otorrinolaringologista.
O diagnóstico correto, que considera histórico do paciente, tempo de sintomas e, quando necessário, exames laboratoriais, é fundamental para a indicação do tratamento correto. “Em infecções virais, é necessário observar e apenas tratar os sintomas com remédios, ajudando o paciente a passar pelo período natural da doença com menos desconforto”, ensina. A ingestão de líquidos e repouso também são eficientes no tratamento.
Como evitar a resistência bacteriana
Use apenas antibióticos quando prescritos por um profissional de saúde certificado
Nunca exija antibióticos se o seu profissional de saúde disser que você não precisa deles
Nunca compartilhe sobras de antibióticos
Previna infecções lavando regularmente as mãos, preparando os alimentos de forma higiênica, evitando o contato próximo com pessoas doentes, praticando sexo seguro e mantendo as vacinas em dia.
O aumento da resistência bacteriana é ameaça à saúde pública mundial
Os mecanismos de resistência desenvolvidos pelas bactérias ameaçam a capacidade do tratamento de doenças infecciosas comuns, o que pode resultar em duração prolongada das condições e até a morte.
De acordo com a OMS, a resistência aos antibióticos está colocando em risco conquistas da medicina moderna e podem tornar perigosos procedimentos como cesarianas, cirurgias comuns, quimioterapias e transplantes de órgãos.
Para ter uma ideia, cerca de 230 mil pessoas no mundo morrem de tuberculose multirresistente por ano, de acordo com relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2019.