Volta e meia, algum internauta leva uma questão aos cientistas de plantão na web — como os seres humanos sobreviveram por tanto tempo sem vacinas? Muitas vezes, a pergunta é feita com o viés de que, por milhares de anos, nossa espécie conseguiu se virar muito bem, obrigado, sem os imunizantes, questionando sua necessidade. A eficácia das vacinas leva a uma questão retórica interessante: a falácia do viés de sobrevivência.
Os Homo sapiens realmente conseguiram levar a vida sem vacinas, caso contrário, não estaríamos realizando a presente comunicação, mas isso não quer dizer que muitas outras pessoas não tenham morrido pela falta delas. Grande parte sem passar à frente seus genes aos descendentes. O mesmo pode ser dito para todo tipo de remédio e tratamento, como os antibióticos, anti-inflamatórios, quimioterapias e afins.
O viés de sobrevivência
Você já deve ter ouvido sobre o viés de sobrevivência em alguma conversa por aí. “Minha avó fumou todos os dias desde os 19 anos de idade, viveu até os 100 e não teve nenhum problema de pulmão”. O tabagismo, dessa forma, parece menos perigoso porque há uma pessoa no grupo de sobreviventes, fazendo parecer que a atividade não é potencialmente mortal.
Em outras palavras, o problema oculto no viés da sobrevivência é que você não costuma ouvir histórias de pessoas que morreram de problemas relacionados ao fumo, diminuindo a percepção de seu malefício.
Um exemplo interessante aconteceu na 2ª Guerra Mundial, como notado pelo estatístico Abraham Wald. Os aviões que sobreviviam a tiroteios voltavam à base, e os engenheiros que os examinavam pensavam que as regiões perfuradas por balas eram as mais frágeis dos aeroplanos, passando a reforçar sua estrutura. Isso, no entanto, não levou ao retorno de mais pilotos com vida — o que estaria acontecendo, então?
Wald lembrou que os aviões que não retornavam não podiam ter suas perfurações por bala analisadas, e, é claro, provavelmente haviam sido alvejados em áreas mais mortais. O viés de sobrevivência levou a uma conclusão errada com base apenas nos veículos sobreviventes, e isso se provou correto quando as regiões não atingidas nos aeroplanos que retornavam foram reforçadas e mais deles passaram a sobreviver a tiroteios.
Isso também ocorre com as doenças. Os humanos, como espécie, sobreviveram a todas as patologias enfrentadas até agora, mas não sem muitas mortes. A Peste Negra e a Gripe Espanhola, por exemplo, foram devastadoras — a primeira doença chegou a eliminar até ⅓ de toda a população da Europa, chegando até a ser usada como arma biológica na Crimeia, onde mongóis catapultaram mortos pela condição para dentro de fortes.
A Peste Negra, também chamada de peste bubônica, voltou em pequenos surtos, mas hoje conseguimos controlá-la, inclusive com vacinas. Outra doença que matava humanos aos montes era a varíola — até 30% dos infectados acabava indo a óbito. Um dos únicos tratamentos era injetar pus das pústulas dos infectados em pessoas saudáveis, mas com pouca garantia de sucesso.
Em 1796, Edward Jenner descobriu que leiteiras infectadas por varíola bovina ficavam imunes à varíola comum, tendo então a ideia para a primeira vacina do mundo — com o imunizante, conseguimos vencer a doença, que foi declarada erradicada pela Organização Mundial da Saúde em 1979.
Os humanos conseguiriam sobreviver sem vacinas? Provavelmente sim. Mas a custo de milhões e milhões de mortes a mais.
Fonte: IFLScience
Por Augusto Dala Costa | Editado por Luciana Zaramela