Os americanos não são particularmente entusiastas de frutos do mar. Eles consomem menos da metade do que uma pessoa japonesa ou indonésia. Menos de um terço do que consome um islandês médio. Mas há uma grande exceção: o camarão.
O apetite deles por este crustáceo gorducho tem aumentado por décadas, com um estadunidense médio agora ingerindo quase 2,7 kg por ano, muito mais do que qualquer outro produto do mar.
Basta perguntar à Red Lobster: a rede de frutos do mar, que enfrenta dificuldades financeiras, declarou falência este mês, citando, entre outras coisas, um esquema de “tudo o que você pode comer camarão” que custou à empresa US$ 11 milhões, quase R$ 60 milhões, ao subestimar a quantidade que as pessoas consumiriam.
Mas quão saudável é o fruto do mar favorito dos americanos? Ele é bom para seus corpos? E quanto às florestas de mangue e populações de tartarugas marinhas do mundo? E como saber o que comprar na próxima vez que estiver no balcão de frutos do mar?
SAÚDE HUMANA
O camarão é uma boa fonte de proteína, comparável, por exemplo, a um filé de costela. É rico em cálcio e vitamina B12. Tem baixo teor de gordura saturada, o que o torna saudável para o coração. E, embora o camarão seja rico em colesterol, os especialistas não se preocupam tanto com o efeito do colesterol dietético na saúde.
Mas, se os americanos estão procurando outros benefícios nutricionais que esperam dos frutos do mar, ficarão desapontados. As caudas de camarão não são particularmente ricas em ômega-3, ferro ou iodo. “Do ponto de vista nutricional, é como a carne branca do mar”, disse Zach Koehn, pesquisador de nutrição do Centro de Soluções Oceânicas da Universidade de Stanford.
A maioria dos frutos do mar é mais rica em nutrientes do que a carne terrestre, mas as espécies de camarão que os americanos consomem estão no fim dessa lista, perto do fundo, junto com bacalhau e tilápia. O frango tem mais proteína, e frutos do mar como sardinha, salmão e ostras são muito mais ricos em nutrientes.
No entanto, como estão no fundo da cadeia alimentar, os camarões geralmente não tendem a acumular toxinas ambientais, como mercúrio ou dioxinas, encontradas em grandes predadores como atum ou peixe-espada. Isso os coloca na lista de “melhores escolhas” da Food and Drug Administration, dos Estados Unidos, para mulheres grávidas e crianças, o que significa que são considerados seguros para consumo duas ou três vezes por semana.
Então, existem desvantagens para a saúde ao consumir camarão? Algumas. Camarões congelados podem conter conservantes como tripolifosfato de sódio e bissulfito de sódio, que pessoas com sensibilidades a sulfito (dióxido de enxofre) ou fosfato podem querer evitar. O camarão cultivado pode apresentar alguns problemas próprios, dependendo do país de origem e das condições das fazendas individuais.
Mercúrio e arsênico podem se acumular no lodo sob os tanques de camarão, afirma José Antonio Rodríguez Martín, biólogo que estudou o assunto para o Instituto Nacional de Pesquisa e Tecnologia Agrícola e Alimentar na Espanha.
No entanto, mesmo os níveis mais altos de metais pesados que Martín encontrou em camarões cultivados no Equador foram metade do que se vê no atum menos contaminado. Ele disse que isso significava que não representavam “risco excessivo” para a maioria das pessoas.
Em muitos países, as fazendas de camarão também usam grandes quantidades de antibióticos para manter os animais saudáveis. Alguns desses medicamentos, como nitrofuranos, podem causar danos ao fígado e estão ligados ao câncer, e quase todos são proibidos nos Estados Unidos.
As remessas que cumprem a legislação dos EUA são seguras —mas nem todas as remessas cumprem, explica Julie Lively, especialista em crustáceos e professora associada no AgCenter, da Universidade Estadual da Louisiana. Sua pesquisa, e a de outros, encontrou antibióticos proibidos em camarões importados, bem como conservantes não rotulados.
Embora o camarão importado contaminado seja um problema que precisa de mais pesquisas, ela disse que provavelmente não representava um risco grave à saúde, comparando-o com o risco representado pela embalagem plástica. “Isso meio que se resume à escolha pessoal,” disse ela. No entanto, ela acrescentou que os antibióticos podem causar uma reação alérgica em pessoas sensíveis a eles.
OS CUSTOS AMBIENTAIS E HUMANOS DO CAMARÃO
Agora, para as realmente más notícias: quando se trata da saúde dos oceanos, muitos especialistas dizem que o camarão está entre os alimentos mais prejudiciais que se pode comer. Isso não porque os camarões estão ameaçados —a maioria das espécies é resiliente— mas por causa do que se precisa fazer para obtê-los.
A maioria dos camarões nos pratos norte-americanos é importada, principalmente da Ásia e América Latina. Mais da metade deles são criados em fazendas: redes extensas de tanques costeiros densamente povoados, muitas vezes próximos ao oceano. Construí-los destrói habitats costeiros cruciais, como manguezais e outros pântanos. E, uma vez construídas, as fazendas podem poluir ainda mais as costas com escoamento de fertilizantes e antibióticos.
Os camarões selvagens também vêm com um enorme custo ecológico: captura acessória. Como os camarões são pequenos, as redes usadas para capturá-los tendem a pegar tudo em seu caminho. Em alguns países, até 90% do que sobe em uma rede de camarão não é camarão. Esses tubarões, tartarugas, peixes jovens e centenas de outras espécies tendem a morrer nas redes ou no convés do barco.
Em alguns lugares, a produção de camarão tem sido absolutamente horrível para os humanos também. Em 2015, a Associated Press revelou o uso generalizado de trabalho escravo na indústria de camarão tailandesa. O Departamento de Trabalho dos EUA também chamou a atenção para a produção de camarão em Bangladesh, Myanmar e Camboja por usar trabalho infantil ou forçado.
Mais recentemente, uma reportagem investigativa do The Outlaw Ocean Project ofereceu uma visão condenatória da criação de camarão na Índia, o maior importador de camarão para os Estados Unidos, que levantou preocupações não apenas sobre as práticas de trabalho, mas também sobre antibióticos proibidos e danos ambientais.
COMO COMPRAR CAMARÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL
Comprar camarão saudável e sustentável é possível —mas exige algum esforço.
Para começar, é necessário saber de onde vieram os camarões e como foram produzidos, disse Corbett Nash, porta-voz do Seafood Watch do Aquário da Baía de Monterey, um recurso online para ajudar os consumidores a fazer escolhas informadas sobre frutos do mar.
Se você está preocupado com seu impacto no meio ambiente, o camarão cultivado provavelmente tem uma leve vantagem, disse Nash. Os produtos mais sustentáveis vêm dos Estados Unidos e Canadá. Mas eles representam menos de 1% do mercado dos EUA e podem ser difíceis de encontrar.
O Equador, a segunda maior fonte de camarão nos Estados Unidos, é uma boa alternativa, disse Nash. Honduras e Tailândia têm regulamentações ambientais relativamente fortes também, apesar do histórico ruim de direitos humanos da Tailândia. Evite a maioria dos camarões da Índia, Indonésia e México, acrescentou.
Os camarões selvagens são mais caros, mas também mais saborosos e menos propensos a serem contaminados com toxinas ambientais. Se você está comprando-os, as práticas de pesca nos Estados Unidos e Canadá tendem a ser menos prejudiciais à vida oceânica do que em outros lugares. Caso contrário, procure camarão certificado pelo Marine Stewardship Council.
Os especialistas disseram que a coisa mais importante que se pode fazer é simplesmente perguntar sobre opções sustentáveis. Mesmo que seu garçom ou peixeiro não tenha ideia de onde o camarão veio —ou se, por exemplo, o barco usou um dispositivo separador de tartarugas— a pergunta pressiona a indústria.
“Isso significa que há um desejo por frutos do mar sustentáveis,” afirma disse Nash, “e podemos esperar que isso se espalhe para os varejistas; isso chegará aos compradores; isso chegará aos produtores”.
No final, as decisões em torno do camarão se resumem aos valores de cada um sobre o que consomem. Rodríguez Martín e Lively disseram que comem camarão, assim como Nash, embora raramente, e ele lê as embalagens meticulosamente. Lively geralmente come camarão apenas dos Estados Unidos.
Koehn não come camarão, mas tenta não dar sermões a amigos e familiares. Recentemente, sua sobrinha teve uma primeira comunhão que incluía um buffet de camarão “tudo o que você pode comer”.
“Eu falo sobre os abusos trabalhistas e o impacto nos oceanos?” ele perguntou, balançando a cabeça. “Eles têm dez anos. Deixe-os aproveitar e conte a eles depois.”
Fonte: Folha de S. Paulo