Por Alexandre Raith, da Agência Einstein
Seja pela indisponibilidade da dose certa na farmácia ou uma tentativa de fazer o medicamento render mais, cortar os comprimidos na metade pode gerar riscos à saúde.
Além de não garantir uma proporção igual do princípio ativo do remédio nas duas partes, a prática pode interferir no tratamento do paciente.
“O medicamento é uma mistura do princípio ativo [substância responsável pelo efeito do remédio] com outros excipientes [ingredientes] farmacêuticos. Isso tudo é misturado e prensado. Por isso, não é possível garantir que a metade direita e a metade esquerda tenham a mesma quantidade”, explica Leonardo Pereira, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP).
Pesquisadores da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) chegaram a mesma conclusão ao testar o medicamento hidroclorotiazida – diurético indicado para o tratamento da hipertensão – e analisar as consequências de cortar o comprimido em pedaços. Após testar cerca de 750 pílulas, os autores do estudo identificaram discrepâncias nas partes divididas.
“A avaliação do processo de partição apresentou diferenças significativas na uniformidade de massa e de conteúdo, verificando-se que há grande variação de teor. Considerando que a hipertensão é uma doença grave e que requer esquema posológico rígido, variações na dosagem podem influenciar significativamente no tratamento do hipertenso”, destacam os pesquisadores no artigo publicado na Revista de Ciências
Farmacêuticas Básica e Aplicada.
Além disso, partir ao meio pode anular os recursos do medicamento. Pereira, que também é membro da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas, lembra que certos remédios são revestidos por uma fina película protetora que evita que o comprimido sofra ação no estômago antes de ser absorvido no duodeno, a primeira parte do intestino, ou que possuam um mecanismo de liberação mais lenta no sangue. “Se cortar, estraga a tecnologia”, explica ele.
Quando é indicado cortar?
Apesar da contraindicação no geral, a divisão do comprimido pode ser indicada em dois casos:
Quando a orientação dos especialistas é que o paciente aumente a dose de um remédio aos poucos;
Quando o paciente deve parar de tomar a medicação, mas gradualmente, em um processo chamado de “desmame”. Neste caso, o tratamento não pode ser interrompido de forma abrupta e, por isso, a quantidade de miligramas é reduzida lentamente.
Armazenamento em risco
A forma como as pessoas vão guardar a metade do remédio não ingerido também gera preocupação, pois a embalagem é pensada especificamente para cada tipo de medicamento. “Alguns comprimidos, por exemplo, não têm resistência à luz, por isso vêm em um blister completamente fechado. Há também o risco de contaminação na hora do corte”, alerta o professor da FCFRP-USP. Caso seja necessário o corte, guardar a metade restante na cartela rompida, dentro da embalagem original, interfere pouco na ação do medicamento.