Uma cura para uma doença ultrarrara, a progeria, pode estar no horizonte. A doença acelera o envelhecimento das crianças e reduz drasticamente suas vidas. Mas, até recentemente, não havia um caminho para um tratamento altamente eficaz.
Agora, um pequeno grupo de acadêmicos e cientistas do governo, incluindo Francis Collins, ex-diretor do National Institutes of Health, está trabalhando sem expectativa de ganho financeiro para deter a progeria em seu caminho com uma técnica inovadora de edição de genes.
Se a edição de genes for eficaz para retardar ou interromper a progeria, dizem os pesquisadores, o método também poderá ajudar a tratar outras doenças genéticas raras que não têm tratamentos ou curas e, como a progeria, despertaram pouco interesse das empresas farmacêuticas.
Após um quarto de século de pesquisa, o grupo está se aproximando dos fabricantes e planejando buscar a aprovação dos órgãos reguladores para um teste clínico sobre a edição de genes da progeria.
O projeto “tem mérito, mas também tem risco”, de acordo com Kiran Musunuru, pesquisador de edição de genes da Universidade da Pensilvânia, que também assessora uma empresa de edição de genes. Ele alertou que, embora a edição tenha funcionado bem em camundongos, não há garantia de que funcionará em pacientes humanos.
Mas foram necessários anos e o surgimento de uma nova era da medicina molecular com avanços na edição de genes para que a perspectiva de uma cura para a progeria parecesse possível.
— Os novos tipos de edição de genes são potencialmente a resposta para um sonho que todos nós queremos que se torne realidade. Há cerca de 7.000 doenças genéticas para as quais conhecemos a mutação — ele explica.
Dessas doenças genéticas, 85% são ultrarraras, afetando menos de uma em um milhão de pessoas. E entre elas, apenas algumas centenas têm tratamentos.
A parte fácil
Collins começou dando uma tarefa a um novo bolsista de pós-doutorado em seu laboratório: Descobrir a causa da progeria.
— Vamos dar um ano — ele disse a ela.
Essa acabou sendo a parte mais fácil. Maria Eriksson, a bolsista, levou apenas alguns meses. Uma única letra da cadeia de três bilhões de letras individuais – cada uma com G, A, C e T – que compõe o DNA humano foi alterada. Em um ponto específico de um gene conhecido como lamin A, uma dessas letras foi substituída por outra. O resultado é a produção de uma proteína tóxica, a progerina, que rompe a estrutura que mantém o núcleo de uma célula em seu formato adequado.
Eriksson, Collins e seus colegas publicaram um artigo explicando a descoberta em 2003. A mutação na lâmina A ocorre em um espermatozoide ou óvulo antes da fertilização. É simplesmente um golpe aleatório de má sorte.
Com a progerina aberrante, as células começam a se deteriorar depois de algumas divisões, com aparência cada vez mais incomum. Por fim, a deterioração dispara um sinal nas células para que elas se autodestruam.
A próxima etapa da pesquisa foi colocar a mutação da lamin A em camundongos. Como nos seres humanos com a doença, os animais envelheceram rapidamente, desenvolveram doenças cardíacas, tiveram a pele enrugada e perderam os cabelos. E morreram jovens.
Mas foi somente com o surgimento da CRISPR, uma tecnologia de corte de DNA, em 2012, que o pequeno grupo de pesquisa pensou que um novo e ousado tratamento poderia ser desenvolvido. A CRISPR pode cortar o DNA e desativar um gene. Isso, porém, estava longe de ser o ideal – o que era realmente necessário era algo que pudesse reparar um gene.
A solução surgiu em 2017 no laboratório de David Liu, um professor de Harvard que é diretor do Merkin Institute for Transformative Technologies in Healthcare. Seu grupo inventou um sistema de edição de genes que age como um lápis no local da mutação, usando uma enzima para apagar uma das letras do DNA – adenina, ou A – e escrever uma guanina, ou G. Isso é exatamente o que é necessário para corrigir a mutação da progeria.
Essa enzima de edição de genes nunca foi vista na natureza. Nicole Gaudelli, que era pesquisadora de pós-doutorado no laboratório de Liu na época, produziu uma enzima de qualquer maneira com um experimento de sobrevivência do mais apto: Gaudelli forçou as bactérias a produzir a enzima ou morrer.
Liu chamou o sistema inventado por seu grupo de “edição de base” porque ele edita diretamente as letras, ou bases, que compõem o DNA. Em um teste, Luke Koblan, um estudante de pós-graduação, tentou corrigir a mutação da progeria em células de pacientes que cresciam em placas de Petri. Seu experimento foi bem-sucedido. O pesquisador ficou entusiasmado. Ele havia assistido a documentários sobre progeria e os pacientes haviam tocado seu coração.
Em 2018, o Liu foi convidado para dar um seminário no N.I.H. Ele sabia que Collins estaria na plateia, então acrescentou alguns slides sobre células de edição de base de pacientes com progeria.
A parte difícil
Os pesquisadores do N.I.H. procuraram primeiro melhorar a saúde de camundongos com progeria. Eles começaram com uma única infusão experimental do editor de base. Os resultados, documentados em um artigo de 2021, excederam em muito suas esperanças cautelosas. Quase todos os danos às grandes artérias do coração, uma marca registrada da doença, foram revertidos.
Os camundongos pareciam saudáveis. Eles mantiveram seus pelos. E viveram até o início da velhice em camundongos – cerca de 510 dias – em vez de morrerem aos 215 dias com a progeria. Para agilizar a fabricação e minimizar os possíveis efeitos colaterais do método de entrega, o grupo de Liu teve que reduzir o tamanho do editor de genes, que era grande demais para ser entregue às células em um único transportador molecular. Essa foi uma tarefa difícil, pois mesmo o sistema original de tesouras CRISPR para corte de DNA da natureza não se encaixa em um único mecanismo de entrega.
Depois de conseguir a redução, os pesquisadores tiveram que testar a nova enzima de edição de genes em camundongos e verificar se a edição ainda estava funcionando. E funcionou. Agora, eles estão realizando um experimento mais longo para ver se os camundongos vivem até a velhice.
Enquanto esperam, os pesquisadores estão descobrindo as próximas etapas para usar suas inovações para curar crianças com progeria. Seu objetivo é obter permissão da Food and Drug Administration para iniciar um teste clínico. Uma etapa fundamental será encontrar um parceiro de fabricação para produzir o editor de base para uso em seres humanos.
— Queremos iniciar esse teste em dois anos ou menos — afirma Collins.
Revista D Marília / Fonte: O Globo