Por Patrícia Figueiredo, da Agência Einstein

A coordenadora de projetos Gabriella Feola descobriu que tinha herpes tipo 1 quando ainda era criança, depois que a tia dela identificou as pequenas feridas que surgiam na parte inferior do seu nariz. Hoje, com 29 anos, Gabriella é uma das mais de 3,7 bilhões de pessoas em todo o mundo que já tiveram manifestações do vírus, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O número equivale a 67% da população mundial abaixo de 50 anos, segundo dados da OMS de 2016, quando a organização fez a última estimativa de quantas pessoas já tinham apresentado sintomas da infecção pelo herpes oral ou genital em todo o planeta. 

A OMS destaca que, na maioria dos casos, as primeiras infecções ocorrem na infância, como aconteceu com Gabriella. Mas, além dos indivíduos que descobrem a presença do herpes, muitos outros bilhões de pessoas carregam o vírus no organismo sem nunca apresentar nenhum sintoma dele. Algumas pesquisas estimam que até 90% da população mundial já tenha tido contato com o herpes tipo 1 ou 2.

Apesar dessa enorme prevalência, novas descobertas sobre os vírus HSV-1 ou HSV-2, que provocam, respectivamente, herpes simples tipo 1 e 2, não são comuns no meio científico, e muitas das práticas atuais para prevenção e tratamento da doença são as mesmas de décadas atrás. 

“Não tivemos muitas novidades nos últimos anos, especialmente em termos de tratamento”, afirma Lilian Fiorelli, ginecologista do Hospital Israelita Albert Einstein e especialista na área de sexualidade humana.

Um artigo publicado em 2017 por pesquisadores brasileiros destaca que o vírus do herpes é, apesar da prevalência, bastante subestimado pela comunidade científica. Para a pesquisadora Daniele Rechenchoski, uma das autoras do estudo, a palavra “subestimado” é adequada porque o vírus causa, na maioria dos casos, sintomas leves a moderados, mas também pode provocar complicações. 

“É um vírus com alta infecciosidade e que acomete milhares de pessoas ao redor do mundo. Além disso, em pacientes neonatos e imunocomprometidos, o vírus é capaz de causar sintomas graves, podendo ser até letal”, destaca Rechenchoski, doutora em Microbiologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). 

A maioria dos estudos atuais busca entender por que as manifestações geralmente leves da doença podem variar tanto de pessoa para pessoa.  “O que tem sido mais abordado é o que causa o aparecimento das lesões, ou seja, investigar o que está baixando a imunidade das pessoas que têm manifestações. Eu vejo o herpes muito mais como um sinal de um corpo que está precisando de ajuda”, explica Fiorelli. 

Um dos aspectos mais pesquisados é a relação entre o aparecimento de lesões e a saúde mental dos pacientes. Um estudo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), publicado em março do ano passado, analisou a relação entre a recorrência do herpes simples e sintomas de estresse ou ansiedade durante a pandemia de Covid-19. 

A partir do acompanhamento de 347 estudantes de odontologia que já haviam apresentado episódios de herpes oral antes da pandemia, o estudo estabeleceu uma correlação entre ansiedade no nível grave, ou estresse nos níveis moderado e grave, e manifestações mais frequentes da doença.

“Foi até curioso ver nossos resultados porque poucas pessoas relataram ter recorrência de lesões de herpes durante o período da pandemia. Mas, todos os que tiveram [casos recorrentes] relataram um grau de estresse de moderado a alto, então a gente conseguiu fazer essa associação”, explica a odontologista Fernanda Mombrini Pigatti, uma das autoras do estudo. 

O que é herpes?

O herpes é uma infecção causada pelo vírus Herpes simplex. Ele é transmitido pelo contato direto das lesões com a pele ou mucosa de uma pessoa não infectada.  

Existem dois tipos de herpes: o tipo 1 é causado pelo vírus HSV-1 e provoca lesões principalmente na boca ou no nariz, e por isso é conhecido como herpes oral. Já o tipo 2 é associado ao vírus HSV-2 e afeta, majoritariamente, os órgãos genitais. Apesar disso, as duas doenças podem causar feridas também em outras partes do corpo. 

Nos últimos anos, tem aumentado a ocorrência de lesões provocadas pelo herpes tipo 1 nos órgãos genitais, ou pelo tipo 2 na boca, segundo ginecologistas.


“Devido ao alto grau de prática de sexo oral, tem se tornado mais comum ver o tipo de herpes que geralmente afeta a boca aparecendo nos genitais também”, explica Fiorelli, do Hospital Israelita Albert Einstein. 

Além do aparecimento das lesões, que formam pequenos agrupamentos de bolhas, os sintomas do herpes podem incluir ainda febre, fadiga, dor muscular e dor ao urinar, especialmente no caso do vírus tipo 2. Esses últimos sintomas são mais comuns na primeira manifestação da doença, que costuma ser mais intensa. 

A ginecologista Lilian Fiorelli, no entanto, destaca que a primeira lesão não ocorre, necessariamente, após o primeiro contato com o vírus. 

“No geral, a primeira manifestação aparece em um contexto de baixa imunidade, que pode ser logo após o primeiro contato, mas pode ser bem depois também. Esta primeira infecção costuma ser mais grave porque o organismo não gerou anticorpos para combater aquele vírus, e muitas vezes a reação é mais exacerbada, o que pode causar febre”, explica. 

Não existe vacina ou cura para o herpes. Fatores estressantes para a doença, como exposição solar, variações hormonais ou estresse, favorecem o aparecimento das lesões. 

Segundo a microbiologista Daniele Rechenchoski, uma das grandes dificuldades no desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o HSV é a capacidade do vírus de “evadir a resposta imune do hospedeiro”, ficando latente após o primeiro contato. 

“A infecção primária é caracterizada pela replicação viral na mucosa oral ou genital. Posteriormente, o vírus acessa os neurônios. Então, mesmo após a infecção primária ser combatida pelo organismo, o vírus permanece em latência nos neurônios, onde fica protegido do sistema imune do ser humano”, explica Rechenchoski.

Tratamento

Atualmente, o tratamento é feito com medicamentos antivirais que ajudam a desacelerar a progressão das feridas. No entanto, muitos pacientes reclamam que as medicações disponíveis hoje em dia são pouco eficazes e demoram para mostrar efeitos. 

“Até [a ferida] parar de estourar e começar a secar, mesmo depois de tomar o remédio, demora uns dias. Seria bom se tivéssemos tratamentos mais rápidos, que agissem logo que você toma”, opina Feola.

Para contornar essa demora, o ideal é começar a tomar a medicação antiviral antes mesmo do aparecimento das lesões, quando ocorre uma sensação de coceira ou formigamento na região onde elas costumam aparecer. Isto porque o remédio não é capaz de interromper o ciclo das bolhas que já estão ativas, mas apenas evitar a propagação delas.


“Se você começar a medicação quando a lesão já estiver ativa, não adianta: ela vai ter o curso natural dela, que demora entre cinco e sete dias, e o remédio vai apenas evitar o aparecimento de novas feridas”, explica Fiorelli. 

“A medicação só vai agir na lesão se for iniciada no momento anterior, que é quando ocorre uma leve coceira, um leve formigamento, um leve ardor na região. Quando você começa a tratar neste momento, às vezes a lesão nem surge”, completa.

Além dos antivirais, alguns odontologistas também indicam o uso de laserterapia para o tratamento de feridas na região da boca. Nesses casos, o laser pode ser utilizado para diminuir a duração da lesão, e ajudar na cicatrização, segundo a dentista Pigatti. 

Assim como os tratamentos não evoluíram muito nos últimos anos, a recomendações para evitar a transmissão do herpes também continuam as mesmas. Como o contágio ocorre principalmente por meio de feridas ativas, é importante evitar contato íntimo durante a fase aguda da doença, ou seja, enquanto as lesões estão visíveis – isso inclui beijos e relações sexuais. A ginecologista Lilian Fiorelli recomenda ainda que os pacientes evitem tocar as feridas para que elas não se espalhem para outros locais do corpo. 

Embora seja mais raro, indivíduos que não apresentam nenhuma lesão de herpes também podem transmitir a doença por meio do contato com a pele ou mucosa de uma pessoa não infectada.

No caso do herpes genital, nem mesmo o uso de camisinha é suficiente para prevenir totalmente a transmissão, já que os preservativos masculinos e femininos protegem apenas as áreas de pele que eles encobrem e o contágio pode acontecer a partir de lesões na base do pênis, na bolsa escrotal ou em áreas expostas da vulva, por exemplo. 

Os dados da prevalência do herpes pelo mundo dão uma pista do quão fácil é a transmissão deste vírus: o próprio Ministério da Saúde reconhece que a doença é de “difícil controle em virtude de sua elevada transmissibilidade”.

“Hoje em dia a gente não fala mais tanto em prevenção, mas, sim, em educação: explicar como a doença se manifesta, como ocorre o contágio, como deve ser o tratamento. Isto porque é muito difícil você impedir a transmissão em si. A prevalência já é muito grande”, explica Fiorelli.

Estigmas e desinformação

Embora seja extremamente comum, o herpes ainda é uma doença que causa vergonha aos pacientes, e relatos de preconceito não são incomuns, especialmente quando as feridas aparecem ainda na infância.  

“Quando eu era mais nova, com nove ou dez anos, eu tinha muita vergonha quando apareciam [lesões] no nariz e no buço porque, na escola, as crianças perguntavam. Não era uma coisa muito comum”, lembra Feola. 

“Parecia coisa de adulto, porque dá na boca, e aí eu falava que era herpes, mas todo mundo fazia cara de nojo, aquela coisa chata de criança. Eu sempre tentava explicar que não era ruim, mas, mesmo assim, era chato”, conta a coordenadora de projetos.

Essa estigmatização pode ter um custo psicológico alto para os pacientes, e levar a prejuízos sociais. O custo médico e econômico do herpes nos Estados Unidos foi estimado em US$ 400 milhões por ano, de acordo com uma pesquisa científica publicada em 2012 – hoje em dia, o impacto financeiro pode ser ainda maior. 

Neste contexto, a escassez de pesquisas e avanços científicos provoca incômodo aos pacientes, que reclamam também de falta de interesse pelos médicos. “Eu sempre ouço que preciso procurar um dermatologista, como se fosse algo que me incomodasse só esteticamente”, reclama Gabriella Feola, que sofre com herpes desde a infância. 

Entre os cientistas que pesquisam a doença, não é raro encontrar motivações pessoais por trás do interesse no herpes: a própria odontologista Fernanda Pigatti conta que ter manifestações recorrentes alimentou seu interesse em estudar o tema.

Na grande maioria dos casos a doença apresenta sintomas leves e passageiros. No entanto, indivíduos com HIV, idosos ou pessoas imunossuprimidas são considerados grupo de risco para a doença, e podem ter manifestações mais graves. Bebês também podem contrair herpes, inclusive durante o parto, e evoluir para quadros mais graves.

Para quem acompanha pacientes com manifestações mais intensas, o receio de passar por situações parecidas preocupa. “Quando eu tinha uns 13 anos, a minha tia avó estava em tratamento de câncer e, por conta da imunidade muito baixa, ela tinha herpes também na parte interna da boca, na garganta, e na língua. Isso piorava o quadro dela, porque ela não conseguia comer direito, gerava muita dor”, lembra Feola. 

“Eu tenho esse medo de ter alguma doença grave, algo que abaixe minha imunidade, e o herpes virar algo incontrolável e ganhar território. É um receio que sinto até hoje”, conta. 

A odontologista destaca que lesões de herpes na parte interna da boca, especialmente na língua, são mais comuns em pacientes imunossuprimidos. Nesses casos, é importante buscar um médico para investigar a queda na imunidade, e um dentista para tratar as lesões dentro da boca. 

Fonte: Agência Einstein

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