Por Alexandre Raith, da Agência Einstein
Ao longo da pandemia, minorias raciais e populações socialmente mais vulneráveis foram as mais afetadas, com as maiores taxas de mortalidade por covid-19. Agora, um estudo preliminar apresentado em um evento científico da Associação Americana do Coração (AHA) revelou que pessoas que vivem em bairros socialmente vulneráveis, nos Estados Unidos, tiveram um risco 37% maior de morrer e 28% maior de ter um ataque cardíaco, derrame ou outro evento cardiovascular durante a hospitalização por covid-19, em comparação com aquelas que residem em comunidades mais assistidas.
O índice de vulnerabilidade social considerado pelo estudo incluiu 15 aspectos, como a taxa de pobreza da região, o tipo de moradia, a composição familiar, o acesso ao transporte, raça e etnia. Essas variáveis partiram das diretrizes de classificação utilizadas pelos Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês).
Os pesquisadores cruzaram essas informações com os dados de saúde de cerca de 20 mil pacientes hospitalizados com covid-19 entre janeiro e novembro de 2020, cadastrados no Registro de Doenças Cardiovasculares da AHA, incluindo aqueles com e sem histórico de problemas cardíacos. Destes, 29% moravam em comunidades mais vulneráveis do país.
Após ajustar os resultados considerando fatores como idade, raça, assistência médica privada e comorbidades, os autores perceberam que o local de moradia afetava até mesmo as pessoas que não tinham doenças cardiovasculares preexistentes.
“É amplamente conhecido que o bairro de residência de um indivíduo afete sua saúde. Com base no que vimos com as infecções por covid-19, esperávamos resultados piores entre os pacientes hospitalizados de bairros mais vulneráveis. No entanto, pensamos que as descobertas seriam parcialmente explicadas pelas condições de saúde preexistentes dos pacientes, ou por quão doentes eles estavam quando foram admitidos no hospital, mas não foi esse o caso”, afirmam os pesquisadores em comunicado para a imprensa.
Realidade brasileira
Caso a pesquisa fosse aplicada no Brasil, resultados semelhantes poderiam ser vistos. De acordo com José Francisco Kerr Saraiva, cardiologista e diretor de Promoção de Saúde Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia, moradores de áreas menos favorecidas têm uma menor qualidade de assistência em questões de saúde – o que prejudica o diagnóstico de doenças cardiovasculares e pode afetar os índices de mortalidade.
“No Brasil, nos lugares mais pobres, como no caso de Manaus, houve uma mortalidade maior. Então, existe a questão da situação das classes menos favorecidas, sim, além das complicações relacionadas à menor qualidade da assistência”, explica. Mas, para o especialista, a relação entre a vulnerabilidade com as condições de saúde preexistentes explicaria melhor o resultado da pesquisa, visto que os moradores de áreas menos favorecidas também são mais suscetíveis aos fatores de risco para doenças cardíacas, como excesso de peso, tabagismo, sedentarismo e hipertensão, segundo Saraiva.
Outro ponto de destaque é que a própria infecção pelo coronavírus pode provocar o agravamento de problemas cardiovasculares, principalmente ao afetar a estrutura do coração. Algumas das consequências vistas pelos especialistas são: inflamação do músculo cardíaco (chamada de miocardite) e trombose nos vasos sanguíneos.
Diante dos números encontrados, os autores do estudo ressaltam a importância de políticas públicas e do apoio da classe médica para melhorar a saúde de pessoas em situação de vulnerabilidade, além da necessidade de pesquisas futuras que analisem os impactos desses fatores sociais.