O aumento na incidência de distúrbios do sono durante a pandemia é fenômeno que já vem sendo relatado globalmente, com estudos apontando que a insônia é a principal reclamação das pessoas. Uma pesquisa da Universidade de Southampton, de agosto de 2020, mostrou que o número de britânicos que relataram recorrência com o problema saltou de 17% para 25%. Na China, as taxas subiram quase 6 pontos percentuais, de 14,6% para 20% e, na Grécia, cerca de 40% das pessoas entrevistadas durante a pandemia relataram ter vivido o problema.
O Brasil não passou ileso, é claro. Por aqui, desde o início da pandemia, em março, a palavra “insônia” foi a mais procurada no Google e, ainda mais chocante, a pesquisa por “remédio para insônia” aumentou 130% nas buscas. Isso em um país onde 40 milhões já relatavam o problema antes da Covid-19, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Especialista no assunto, o psiquiatra Marco Abud afirma que não é muito difícil encontrar as razões para esse crescimento:
“A mudança de rotina causou estresse, essa confusão de espaço pessoal com profissional, aumento nas tarefas domésticas, cuidados com os filhos, o isolamento social, que nos colocou longe de familiares e amigos e, claro, o medo da doença ou de algum familiar contraí-la, e até mesmo as inseguranças com a economia do país. Tudo isso virou um caldeirão de emoções e o sono é um dos que mais sofrem com esses momentos, pois é o período que precisamos relaxar, mas também aquele em que tudo vem à tona: o dia a dia, as angústias, a sensação de que é preciso encontrar soluções imediatas para os problemas da nação a todo custo”, explica.
O médico conta que os chamados insones são aqueles que apresentam dificuldades para adormecer ou que não conseguem manter a linearidade de sono. “A insônia pode ser identificada por características como demora para pegar no sono depois de deitado após um período superior a 30 minutos; despertar no meio da noite e não conseguir voltar a dormir; ou ainda passar a acordar muito mais cedo do que o habitual e, mesmo com horas livres para seguir dormindo e ainda sentindo cansaço, não ser capaz de pegar no sono. Boa parte dos brasileiros em algum momento já teve alguma experiência própria ou com alguém próximo que se encaixa em um ou mais desses pontos descritos”.
A chave para encontrar uma solução para o incômodo das horas de descanso perdidas está em entender inicialmente as causas do problema. Na maioria dos casos, salvo outras condições médicas que têm os distúrbios do sono como consequência, a insônia pode ser classificada como transitória (aguda) ou crônica. A primeira surge por fatores ligados ao estresse ou abalo diante de uma determinada situação de vida – como o isolamento social e a quebra de rotinas impostos pela pandemia -, e tende a perdurar por um curto período de tempo, suficiente para contornar a questão que gerou o incômodo. Contudo, há situações em que a condição pode avançar para o que é classificado como insônia crônica, um distúrbio persistente que envolve comportamentos e hábitos que seguem sendo acumulados com o passar do tempo, piorando cada vez mais o quadro.
“De forma bem simplificada, isso acontece porque o nosso cérebro ‘aprende’ após um certo período a aceitar esse novo padrão. É o famoso efeito bola de neve: inicialmente acontece algo extraordinário, que parece fugir ao controle e começa a afetar nossa capacidade de relaxar corpo e mente quando é o momento de dormir. Mesmo quando a situação original já não é mais tão latente, a mudança no comportamento do sono segue presente. Aos poucos outros anseios e preocupações começam a ser somados, criando um ‘monstro’ interior que parece destruir a nossa capacidade de dormir bem e acaba por tornar o sono algo que beira o intangível”, analisa Abud.

Técnicas para lidar (e amenizar) o problema
Embora não seja possível controlar o mundo, nem a velocidade das vacinas, tampouco quando o coronavírus desaparecerá, é possível realizar algumas técnicas e exercícios para tentar contornar essa dificuldade ou, pelo menos, amenizá-la. Motivado por essa percepção, o psiquiatra, que possui um canal no YouTube chamado Saúde da Mente, atualmente com mais de 1,3 milhão de inscritos – o maior sobre a temática no Brasil -, elaborou uma série de vídeos sob a chancela “Viva livre da insônia” para ajudar na conscientização da população em geral. Ele criou ainda um treinamento digital gratuito, a Maratona do Sono, onde usa técnicas da Terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I) para ajudar pessoas do outro lado da tela a adotarem ações de autocuidado a partir do controle de estímulos externos, higiene do sono e relaxamento, entre outros.
“A TCC-I é indicada como primeira alternativa no tratamento da insônia, tendo como principal missão ajudar as pessoas insones a entenderem os gatilhos que comprometem o sono, compreendendo melhor as suas causas primárias e os desdobramentos disso. A terapia dá a essas pessoas os subsídios, com técnicas cognitivas e comportamentais, para a retomada de um sono mais tranquilo”, frisa Abud.
Mesmo à distância, os benefícios da adoção dessas técnicas vêm sendo provados. Um estudo da Universidade de Michigan, divulgado no ano passado, destacou que pacientes que buscaram a terapia por meio da telemedicina tiveram respostas tão positivas quanto aqueles que passaram pessoalmente pelo processo. E isso abre frentes que podem possibilitar um acesso mais amplo ao cuidado especializado – especialmente em tempos de quarentena estendida.
Quem já passou e superou o problema sabe bem como é. A mineira Francisca de Oliveira Ferreira Arquete sofreu com a insônia por treze anos, mas viu tudo piorar em meados de 2020, quando a pandemia ainda estava em seus primeiros meses no Brasil. Ela conta que as noites mal dormidas geravam nela a sensação contínua de cansaço, irritabilidade constante e crises de ansiedade. E ainda havia consequências ligadas a sintomas físicos, como dores estomacais:
“Uma das coisas que eu aprendi a partir dessas técnicas para lidar sem uso de medicações com o problema foi sobre a rotina de sono. Como eu não dormia durante a semana, eu achava que devia, por exemplo, passar o domingo inteiro na cama para compensar. Tenho certeza que muita gente se identifica, se cansa durante a semana e usa o fim de semana para amenizar, que é a coisa de você perder o ‘apetite pro sono’. Curar a insônia mudou completamente minha saúde, a qualidade de vida que ganhei é impressionante”, comenta ela.
Segundo Abud, o sono é muito importante para o equilíbrio físico e emocional e a falta dele afeta a química do cérebro, levando a problemas em nossos relacionamentos e nossa produtividade também. “Uma noite mal dormida é, provavelmente, a principal responsável pela falta de concentração e atenção que uma pessoa pode ter. Ao longo do tempo, isso vai nos afetando de uma forma que pode levar a doenças como obesidade, diabetes e hipertensão, e comprometer ainda mais nossa saúde mental, levando inclusive à depressão”, finaliza.

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Insônia aumentar no mundo pela pandemia. Veja dicas