Por Amanda Milléo, da Agência Einstein 

Os momentos da pandemia da covid-19 não foram exatamente iguais, e nem ocorreram ao mesmo tempo, em todos os países, estados e cidades nos últimos dois anos. Enquanto uns viviam um aumento nos casos da infecção pelo coronavírus, outros discutiam a flexibilização das medidas de proteção. Neste início de 2022, o cenário é o mesmo, mas com um personagem comum à maioria: a retirada das máscaras.   

Na Inglaterra, por exemplo, os itens de proteção nos locais públicos já não eram mais obrigatórios desde janeiro e eles avaliam, agora, como conviver com a doença sem tantas restrições. No Brasil, até o fim de março, pelo menos 10 estados, além do Distrito Federal, discutem se as máscaras ainda precisam ser usadas em ambientes abertos, fechados, ou nos dois.  

De acordo com Emy Akiyama Gouveia, médica infectologista do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Israelita Albert Einstein, no Morumbi, embora o momento atual da pandemia permita a discussão de uma flexibilização, não é possível fazer generalizações. “A liberação das máscaras ao ar livre, por exemplo, isso é relativo. Algumas situações ao ar livre têm aglomeração, como os pátios das escolas, com as crianças se alimentando e conversando muito próximas. É preciso ter cuidado com as flexibilizações”, explica.  

Confira mais detalhes sobre os fatores que devem nortear a liberação, ou não, do uso das máscaras contra a covid-19, na entrevista com a especialista:   

Do ponto de vista epidemiológico, estamos no momento de flexibilizar os cuidados, como a liberação do uso das máscaras?  

Existe, sim, uma possibilidade de começarmos a flexibilizar algumas medidas. A liberação das máscaras ao ar livre, por exemplo, isso é relativo. Algumas situações ao ar livre têm aglomeração, como os pátios das escolas, com as crianças se alimentando e conversando muito próximas. É preciso ter cuidado com as flexibilizações.  

O próprio CDC [sigla para Centers for Disease Control and Prevention, agência de controle de doenças nos Estados Unidos] traz a recomendação de que, até o ensino médio, independentemente da vacinação e da circulação comunitária, o staff da escola e os alunos continuem usando as máscaras, em áreas internas e externas.  

Outro exemplo é de um estudo publicado recentemente pelo CDC, que traz uma análise epidemiológica do que aconteceu em outubro de 2021. Embora fosse um cenário com bastante gente vacinada, eles fizeram uma análise diferentes escolas: numa, com todos de máscara, nas áreas internas e externas; outra, flexibilização total; e uma terceira com meia flexibilização, com a liberação do uso apenas nas áreas livres. O maior número de transmissão foi identificado nas escolas com maior flexibilização.   

Podemos pensar em flexibilização do uso das máscaras em quais cenários? 

Há, sim, a chance de flexibilizar em algumas situações, embora em outras não. É importante que a população avalie o risco. Espaços fechados e mal ventilados ou um espaço ao ar livre, mas muito aglomerado, são situações que precisam das máscaras.  

Outra pergunta que pode ser feita é: qual é o principal momento de risco? É quando a pessoa está sem máscara, perto de outra, em uma distância menor que 1,5 metro. E quando isso acontece? Na hora da refeição, quando vai ao refeitório, restaurante.   

Para alguns grupos, inclusive, é importante que a máscara seja mantida, como: 

  • Indivíduos sem a vacinação completa; 
  • Pessoas que convivem ou têm contato social com quem não está com a vacinação completa; 
  • Indivíduos com imunodepressão, independentemente da vacinação; 
  • Pessoas que convivem ou têm contato social com com quem tem o diagnóstico de imunodepressão, independentemente da vacinação; 
  • Indivíduos com mais de um fator do grupo de risco, independentemente da vacinação; 
  • Pessoas com qualquer sintoma compatível com a covid-19, independentemente da vacinação.  

Então é possível flexibilizar de acordo com os números da doença, e realmente está difícil usar por tanto tempo, mas é preciso que a população esteja bem orientada. 

Os números que os estados têm levado em consideração para liberar essas medidas foram a taxa de transmissão, o índice de pessoas internadas e o percentual da população acima dos 18 anos vacinada. Há outro fator que precisa ser avaliado? 

Tem outro indicador que alguns governos também utilizam que é o cálculo de pessoas que já entraram em contato com o vírus, além da taxa de óbitos. É uma conjunção de fatores que devem ser observados.  

Dividir a decisão do uso das máscaras em ambientes abertos e fechados faz sentido? O risco de transmissão é realmente menor em ambientes abertos do que em comparação aos fechados

Sim, é muito diferente. Mas se a pessoa está ao ar livre em aglomeração, isso é diferente de estar ao ar livre sozinho, em um parque, passeando com o cachorro. Os espaços com pouca ventilação e restritos têm um risco maior de contaminação. Se não houver distanciamento entre as pessoas, um assintomático e o outro saudável, eles conversando, mesmo ao ar livre ou em local fechado, há risco. Ao ar livre tem o vento, com uma maior dispersão, então o risco é menor. Mas, o uso do ar condicionado, dependendo do tipo de circulação que promove, se capta o ar externo e se faz uma filtragem ou renovação do ar, é favorável à proteção. Então, não precisa ficar com medo dos locais com ar condicionado, desde que este equipamento passe por manutenções adequadas. 

A baixa taxa de imunização das crianças contra a covid-19 deveria segurar o uso das máscaras por mais tempo? Dados da nota técnica divulgada pela Fiocruz no dia 16 de março apontam que, de 5 a 11 anos, 39,3% das crianças receberam a primeira dose e 4,7% estão com as duas doses.  

Sabemos que muitas escolas estão em reabertura, e que a gravidade da covid-19 nesse público é menor. Mas elas têm contato próximo com os adultos, e nas famílias podem ter pessoas com comorbidades ou idosas. Então, do ponto de vista dos infectologistas, o uso das máscaras nessa população é importante, exatamente porque a segunda dose para as crianças começou faz pouco tempo. Aquelas abaixo dos 4 anos de idade, por exemplo, ainda nem começaram a receber.  

E as variantes? Elas podem impedir uma flexibilização maior

Temos que observar, monitorar o surgimento das variantes, fazer sequenciamentos e analisar. Sempre temos que ficar atentos, porque não sabemos ainda o que vai acontecer. A Ômicron, por exemplo, surpreendeu a todos.  

O que podemos talvez esperar do terceiro ano da pandemia? 

Há algumas linhas de previsão. Uma delas indica que a covid-19 vai se manter como uma endemia, que todo ano, talvez menos, tenhamos que receber os reforços da vacina, mas vamos conviver com o vírus para sempre. Essa é uma. 

Outras linhas dizem que vai chegar um momento em que o coronavírus vai contaminar grande número de pessoas e o vírus vai se adaptar de alguma maneira e, de repente, sumir. Existe essa linha de aposta também.  

O que eu acho é que temos que tentar aprender com o passado. Aprender com o que aconteceu com a H1N1, durante a Primeira Guerra Mundial. Alguns epidemiologistas, no início da pandemia, já tinham previsto que não iria durar 14 dias, mas, sim, dois ou três anos. Por isso que precisamos aprender com o passado, ainda que muito seja incerto. São vírus mutáveis, que nos surpreendem. Veja em novembro de 2021, que achávamos que estaria tudo melhor e surgiu a Ômicron. 

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