Por Patrícia Figueiredo, da Agência Einstein
Desenvolvido nos anos 1970 para o tratamento de hipertensão arterial, o minoxidil é um medicamento que desde a década de 80 também é utilizado, em forma de loção, para tratar a alopecia androgenética, mais conhecida como calvície. Mas, recentemente, seu uso para crescimento capilar virou polêmica, motivada principalmente por uma reportagem do jornal “The New York Times” que destacou a prescrição de comprimidos de baixa dosagem por dermatologistas americanos. No Brasil, a disputa ficou clara nas notas oficiais emitidas por duas entidades da área.
A discussão envolve médicos que defendem o uso controlado do minoxidil via oral em baixa dosagem e, também, aqueles que o contraindicam por conta dos seus possíveis efeitos colaterais. A popularização do medicamento nas redes sociais, onde suas qualidades são propagandeadas sem critério médico e muitas vezes com dosagens inadequadas, aumentou a temperatura do debate.
A Sociedade Brasileira de Tricologia (SBTri), que reúne especialistas de diversas áreas da medicina, contraindicou todo tipo de uso do minoxidil oral para a calvície, em comunicado oficial divulgado em setembro.
Já a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) defendeu que o minoxidil oral pode, sim, “ser indicado em pacientes selecionados com alopecia”. A entidade disse ainda que “seu uso criterioso, isolado ou associado a outras abordagens, ocorre por indicação médica”, em nota publicada em outubro.
As duas entidades, no entanto, concordam sobre os riscos da automedicação e a importância de acompanhamento médico para o tratamento, já que o minoxidil é um medicamento e, como tal, pode ter efeitos colaterais.
“Nós somos contra o uso indiscriminado do minoxidil, comprar na farmácia sem acompanhamento, comprar porque viu Instagram, sem orientação. Isso a gente é supercontra, porque existem efeitos colaterais e você precisa ter um médico ao lado”, afirma a médica Fabiane Mulinari Brenner, coordenadora do departamento de cabelo da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
O dermatologista Beni Grinblat, do Hospital Israelita Albert Einstein, explica que o uso do minoxidil oral para tratamento de alopecia androgenética é bastante difundido entre os dermatologistas brasileiros.
“De uns anos pra cá começaram a aparecer estudos sobre o uso do minoxidil via oral e aí vimos que, com dosagens baixas, ele não tinha o efeito de baixar a pressão, mas mantinha o efeito benéfico no tratamento da calvície. Eu prescrevo com frequência para os meus pacientes”, conta Grimblat.
Pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o médico Paulo Müller Ramos estuda os efeitos do minoxidil oral no tratamento da calvície desde 2016. Ele explica que a droga é prescrita especialmente para casos de alopecia androgenética, conhecida popularmente como calvície genética. Mas o remédio também pode ser usado como coadjuvante no tratamento da queda de cabelo motivada por outros fatores, como Covid-19 ou cirurgias invasivas.
“Um paciente com queda capilar causada por anemia ou alterações de tireoide, por exemplo, até poderia utilizar [o minoxidil] como coadjuvante. Mas, em alguns casos, como na queda capilar por conta da Covid-19, essa queda costuma se reverter sozinha, e não há necessidade de medicamentos”, diz Müller.
No entanto, a prescrição encontra forte resistência de alguns profissionais, que destacam os possíveis efeitos colaterais da droga. É o caso do médico Luciano Barsanti, presidente da Sociedade Brasileira de Tricologia, que publicou uma nota alertando que o medicamento não tem aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no tratamento de calvície.
“Essas notícias recentes, como a reportagem do New York Times, minimizam as reações adversas graves e comuns desse medicamento via oral, porque ele é um hipotensor extremamente potente. Esse medicamento tem efeitos adversos com muita frequência, porque cada indivíduo tem uma sensibilidade diferente a um fármaco”, afirma Barsanti.
Os riscos, no entanto, estão relacionados principalmente ao uso do medicamento em alta dosagem, como a que era usada no tratamento de hipertensão antigamente, defende Fabiane Mulinari Brenner, da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
A dermatologista destaca que o produto que é atualmente prescrito nos consultórios é diferente do que tem a bula analisada pela Anvisa para o tratamento de pressão alta.
“O [medicamento] que se usa atualmente tem o potencial de provocar todos os efeitos colaterais da dosagem mais alta, até porque alguns pacientes podem ser mais sensíveis, mas os efeitos são proporcionais à dosagem. A chance de eles surgirem é muito menor, e eles são menos intensos conforme você reduz a dose”, afirma Brenner.
O Loniten, o minoxidil da Pfizer, comercializado no Brasil até 2010 e usado no tratamento de hipertensão, era vendido em comprimidos de 10 mg, e segundo a Anvisa, não é indicado para tratamento de alopecia. Já as doses indicadas por dermatologistas para o tratamento de calvície atualmente são feitas em farmácias de manipulação e variam de 0,25mg a 5mg diárias.
Evidências científicas e riscos
A lista de efeitos colaterais do minoxidil assusta: como o remédio promove a dilatação dos vasos sanguíneos, os efeitos adversos podem atingir o coração. Os mais graves são a taquicardia, que é o aumento da frequência cardíaca, e a pericardite, uma inflamação da membrana que envolve o coração.
A reação mais comum, no entanto, é a hipertricose, nome científico para o crescimento exagerado de pelos por todo o corpo: cerca de 10% a 15% dos pacientes que fazem uso do minoxidil via oral relatam esse sintoma. Outra reação frequente é o inchaço nas pernas ou no rosto.
Luciano Barsanti, da SBTri, relata que a maioria dos pacientes que chegam em seu consultório trazem efeitos colaterais do minoxidil.
“Nos pacientes que eu atendo, 90% dos que vêm tomando minoxidil têm efeitos adversos. Os outros 10% não relatam efeitos colaterais, mas muitos não necessariamente relacionam [o que estão sentindo] com o medicamento”, diz.
Em nota, a SBTri aconselha portadores da alopecia a procurarem “médicos e tricologistas que utilizem métodos não-invasivos para o tratamento”, e cita terapias como eletroestimulação e laser de baixo comprimento.
Já a médica Fabiane Brenner, da SBD, destaca que as terapias feitas em consultório não possuem evidências científicas tão robustas, e lembra que a calvície genética é uma doença crônica que depende de tratamento contínuo.
“O guia de tratamento da calvície é baseado principalmente no minoxidil, especialmente de uso tópico, no transplante capilar e tratamento hormonal. É o que tem medicina baseada em evidências. Nos últimos 10 anos surgiram alguns tratamentos que a gente faz no consultório, mas esses deveriam ser tratamentos de exclusão, deveriam ser a última alternativa”, explica.
O dermatologista Beni Grinblat também avalia que, mesmo com os possíveis efeitos colaterais, o remédio é seguro e pode ser uma boa alternativa para pacientes com calvície. Além disso, ele lembra que os efeitos colaterais são reversíveis, e que o acompanhamento médico garante que eles não afetem o paciente por um longo período.
“A gente tem que orientar a população que ele [minoxidil] é uma opção no tratamento, mas claro que sempre com um diagnóstico correto, com acompanhamento médico, e aí uma avaliação do uso tópico ou oral. A gente nunca pode estimular a automedicação”, completa Grimblat.
Como o minoxidil age
Apesar de estudos analisarem a ação do minoxidil no tratamento de calvície desde os anos 1980, ainda não está claro como o medicamento promove o crescimento capilar.
Inicialmente, as pesquisas científicas apontavam a vasodilatação promovida pelo remédio como seu principal mecanismo de ação. Com o aumento da circulação nos vasos sanguíneos do couro cabeludo, os folículos capilares, que são as estruturas onde o cabelo nasce, receberiam mais nutrientes, o que propiciaria seu crescimento.
No entanto, estudos recentes sugerem que o minoxidil tem uma ação direta no folículo, e que a vasodilatação não é o mais importante recurso do medicamento no tratamento de calvície.
“Hoje em dia, não acreditamos que esse seja o principal mecanismo. O que observamos é que há uma modificação bioquímica no folículo que faz com que o cabelo cresça por mais tempo e fique mais grosso com o uso do medicamento”, explica Brenner, da SBD.
Outro efeito da droga no couro cabeludo é o prolongamento da fase ativa do folículo capilar. Com a idade, a fase de crescimento do cabelo fica mais curta. Quando o pelo entra em momento de repouso cedo demais, pode ocorrer o enfraquecimento e a queda de cabelo excessiva. O uso do minoxidil prolonga o período no qual o folículo está ativo.
“A gente sabe que o minoxidil oral aumenta a contagem de fios, a gente sabe que ele aumenta a espessura do fio, e a gente também sabe que ele prolonga a fase de crescimento do cabelo, ou seja, a fase ativa do folículo. Então ele traz vários benefícios. Agora, como ele traz esse benefício, qual é mecanismo? Isso não sabemos com certeza”, completa Müller, da Unesp.
Fonte: Agência Einstein