Projeto capitaneado pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) foi contemplado com um financiamento do National Institute of Mental Health (NIMH), dos Estados Unidos, para estudar a relação entre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o rendimento educacional. O estudo receberá uma verba de cerca de 2,7 milhões de dólares para ser utilizada durante cinco anos. Liderado pelo professor Diego Luiz Rovaris, coordenador do Laboratório de Genômica Fisiológica da Saúde Mental do Departamento de Fisiologia e Biofísica, o projeto foi selecionado no edital “Mental Health Research Awards for Investigators Early in their Career in Low and Middle-Income Countries”, cujo principal objetivo é fomentar trabalhos de jovens pesquisadores altamente promissores no campo da saúde mental em países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento.
O NIMH é um dos 27 institutos do National Institutes of Health (NIH), a principal agência de fomento à pesquisa em saúde dos Estados Unidos, que também atua em projetos fora do país. Com a injeção de recursos, o laboratório terá condições de alavancar sua pesquisa para obter dados inéditos sobre o tema, avaliando a variabilidade no DNA e suas interações com o ambiente. Atualmente, há grandes estudos que descrevem relações clínicas, epidemiológicas e biológicas entre o transtorno e o rendimento escolar, mas todos estão concentrados em países com altos índices de desenvolvimento humano.
“Os grandes estudos de varredura no genoma são conduzidos em países europeus com elevada renda e baixa desigualdade social, como Suécia, Noruega e Dinamarca. Esse fator gera o que chamamos de viés eurocêntrico, que pode ser muito prejudicial para o desenvolvimento da medicina personalizada e da psiquiatria molecular para populações mais heterogêneas e miscigenadas, como a nossa. Queremos ver se os dados que eles apontam se adequam à realidade socioeconômica de um país em desenvolvimento e extremamente diverso etnicamente, como o Brasil”, aponta Rovaris.
O TDAH é altamente influenciado por aspectos biológicos e é um dos transtornos neuropsiquiátricos com o maior componente genético. O transtorno se manifesta, tipicamente, na infância e acompanha o indivíduo ao longo da vida em boa parte dos casos. Trata-se de um quadro que está presente em 3% a 5% das crianças em idade escolar e em 2% a 5% dos adultos, de acordo com a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA). Seus sintomas mais comuns são desatenção, impulsividade e hiperatividade, gerando elevado prejuízo nos contextos social, familiar, educacional e profissional.
A mais recente pesquisa de grande porte sobre o TDAH conta com uma avaliação de 223 mil indivíduos, todos europeus. Nela, foi reafirmado com maior robustez que quanto maior o componente genético para TDAH, menor o rendimento escolar. Além disso, há estudos europeus demonstrando que essa relação não é influenciada pelo contexto socioeconômico. Aqui no Brasil, resultados preliminares do estudo do ICB-USP que embasaram o projeto submetido ao NIMH, já apontavam diferenças envolvendo o contexto brasileiro, quando essas relações foram avaliadas em uma amostra piloto.
Novos alvos moleculares – Estudos como esses visam também identificar novos alvos moleculares para o transtorno, com o objetivo de gerar conhecimento para a produção de medicamentos novos cada vez mais assertivos. “Os medicamentos que temos hoje são efetivos, mas tem uma parcela dos pacientes com TDAH que não responde ou apresenta efeitos adversos. Ao aumentarmos o tamanho amostral dos estudos de varredura no genoma, teremos mais condições de revelar novos alvos moleculares que poderão abrir caminhos para pesquisas que visam o desenvolvimento de novos tratamentos”.
Ao encontrar alvos moleculares também será possível desenvolver exames de diagnóstico. Ainda hoje, o diagnóstico do TDAH é essencialmente clínico, obtido após um longo período de avaliação psiquiátrica e psicológica. “Com isso temos muitas pessoas que não são diagnosticadas. Além daqueles que acham que têm o transtorno, mas não tem a constatação de um profissional de saúde mental, ou aqueles que desacreditam do diagnóstico”.
Sem os alvos moleculares também fica difícil distinguir o que é TDAH e o que é um outro transtorno mental. “Cerca de 80% a 90% dos pacientes adultos com TDAH já teve ou tem algum outro transtorno psiquiátrico associado, como depressão e ansiedade. O nosso esforço também é o de encontrar o que chamamos de biomarcadores. Depois de validados na nossa população, esses mercadores servirão de exames para ajudar o médico psiquiatra a não só confirmar o diagnóstico de TDAH como medir se o maior prejuízo para o indivíduo vem do TDAH ou de algum transtorno associado, o que auxiliará ainda mais na assertividade do tratamento”.
Coleta de dados – A investigação será realizada por um grupo de trabalho que irá entrevistar e colher amostras biológicas de 10 mil voluntários, sendo que cerca de quatro mil deles devem ser previamente diagnosticados com TDAH e o restante fará parte de um grupo controle para efeito de comparação. As pesquisas acontecerão a partir de uma coleta de dados feita em três instituições parceiras: no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre (RS), e na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em Pelotas (RS).
Qualquer indivíduo maior de 18 anos pode participar. Dados de rendimento escolar, como anos de escolaridade, reprovações, analfabetismo funcional e conclusão de ensino superior, serão cruzados com os dados de varredura no genoma do voluntário, que será realizada a partir do DNA isolado de amostras de sangue.
As inscrições serão disponibilizadas em breve. Para participar, o voluntário deverá responder a um questionário on-line sobre saúde mental e condições socioeconômicas. Em seguida, ele será submetido a uma entrevista com um psiquiatra a fim de confirmar o diagnóstico de TDAH. Isso irá selecionar o grupo do qual ele fará parte.

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Pesquisador do ICB-USP obtém verba de 2,7 milhões de dólares para estudo inédito sobre TDAH