Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Em meio ao surto mundial de casos de varíola símia – com mais de 33 mil casos confirmados até o dia 10 de agosto –, autoridades de saúde tentam adquirir a vacina e imunizar pessoas consideradas de alto risco. Nesta semana, o ministro da saúde Marcelo Queiroga afirmou que está negociando a compra de 50 mil doses do imunizante com a Organização Panamericana da Saúde (Opas). As doses serão aplicadas primeiramente em profissionais de saúde que lidam diretamente a doença. Mas afinal, como é essa vacina? Quem a fabrica? O Brasil pretende produzi-la?
A vacina que o Ministério da Saúde pretende comprar é a Jynneos/Imvanex (ela recebe nomes diferentes dependendo do país em que é comercializada), produzida pelo laboratório dinamarquês Bavarian Nordic. Trata-se de uma vacina que contém uma forma atenuada (enfraquecida) não replicante do vírus Vaccínia Ankara modificado (MKA), que está relacionado com o vírus da varíola. Isso significa que o vírus não é capaz de se reproduzir e causar a doença em quem recebe o imunizante.
Ela é um pouco diferente da primeira versão da vacina contra a varíola, que foi amplamente usada na década de 1970 e ajudou a erradicar a doença globalmente. Segundo o infectologista pediátrico Alfredo Gilio, coordenador da Clínica de Imunizações do Hospital Israelita Albert Einstein, o primeiro imunizante era produzido com o vírus vivo replicante, ou seja, poderia causar a doença em alguns pacientes (especialmente naqueles com baixa imunidade) e tinha mais efeitos colaterais.
“Essa vacina não foi produzida de uma hora para outra, nem especificamente para combater casos de varíola símia. Ao longo do tempo, foram descobrindo outras vacinas contra a varíola até chegarem nessa versão do vírus vivo atenuado, com menos efeitos colaterais. Mas, como a doença estava erradicada, ela não existe em larga escala. Era usada apenas para situações específicas, por militares, por exemplo”, explica Gilio.
Proteção em animais
Como os vírus da varíola humana e da varíola símia são muito semelhantes, acredita-se que a Jynneos/Imvanex proteja contra as duas doenças, já que historicamente a vacinação contra a varíola comum se mostrou protetora contra a varíola símia. No entanto, essa imunidade cruzada da vacinação está limitada às pessoas mais velhas, já que a varíola foi considerada oficialmente erradicada em 1980 e, desde então, a vacina não foi aplicada de forma massiva em nenhum país. No Brasil, muito provavelmente só quem nasceu antes de 1975 foi imunizado contra a versão humana da doença. Nos últimos anos, nenhuma dose da vacina foi aplicada.
Segundo dados da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), estudos mostraram que ela é eficaz na produção de anticorpos contra a varíola, mas ainda não é conhecida a duração da proteção. E estudos feitos em animais mostraram proteção contra a varíola símia em primatas não vacinados e expostos ao vírus.
“Teoricamente, essa é uma vacina que causa proteção para a vida toda, como a do sarampo. E o que temos visto no surto de varíola símia é que a maioria dos infectados são pessoas jovens, com menos de 40 anos e que não receberam a vacina da varíola”, diz Gilio.
A aplicação deve ser feita subcutânea, de preferência no braço. Quando ela é administrada, o sistema imunológico reconhece os vírus presentes como corpos estranhos e passa a produzir anticorpos contra eles. Assim, se a pessoa entrar em contato com vírus semelhantes (como o da varíola símia), estes anticorpos entrarão em ação. Outros imunizantes usam essa mesma técnica de vírus vivo enfraquecido, entre elas a vacina contra o sarampo, rubéola e a forma oral da vacina contra a poliomielite.
Escassez no mundo
A recomendação do fabricante é que as pessoas recebam duas doses de 0,5 ml, com intervalo de 28 dias entre as aplicações. Mas, por causa da escassez do imunizante no mundo, a FDA (agência americana que regulamenta o uso de fármacos e alimentos) autorizou o uso emergencial da vacina em doses fracionadas – cada frasco será dividido em 5 com o objetivo de ampliar a quantidade de vacinas.
“Ela é produzida por um único laboratório que com certeza absoluta não tem capacidade de produção suficiente para atender toda a demanda. A intenção do fracionamento é otimizar ao máximo as doses e tentar diminuir a velocidade de disseminação da doença”, alerta Gilio.
Os efeitos secundários mais frequentes são dores de cabeça, náuseas, fadiga e reações no local da injeção (dor, vermelhidão, inchaço). Por ser uma vacina de vírus atenuado, o risco de efeitos adversos é menor do que o da vacina tradicional contra a varíola. Por isso, ela é recomendada para pessoas que não podem receber vacinas que contém vírus replicadores, como pessoas com sistema imune enfraquecido – entre eles portadores de HIV.
Segundo a Agência Europeia de Medicamentos, o fabricante vai acompanhar os benefícios e riscos da vacina contra varíola símia a partir de um estudo observacional que será feito a partir do atual surto da doença para confirmar a proteção contra a infecção.
“Acreditamos que a varíola símia não vai se espalhar como a Covid-19, que tem uma transmissão respiratória muito importante, mas a rapidez do avanço dos casos é preocupante”, completou Gilio.
O Ministério da Saúde confirmou à Agência Einstein, por meio da assessoria de imprensa, que está em negociação a aquisição de 50 mil doses da vacina e que a expectativa é receber uma parte delas em setembro e outra em outubro. O governo ainda não definiu como será o plano de vacinação e nem se pretende fracionar as doses para aumentar a quantidade de vacinas – isso só será definido após a confirmação do recebimento dos lotes. O Instituto Butantan informou que ao menos por enquanto não há nenhuma negociação para produção do imunizante no Brasil.
Em 23 de julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto de varíola símia uma emergência de saúde pública de importância internacional. O atual surto começou em meados de maio e até agora afetou 89 países ao redor do mundo.