Artigo por Carlos R. Ticiano

Aos domingos, sempre depois da missa matinal, adorávamos ir à feira na companhia de nossos pais. Um dos melhores dia da semana, não só pelo passeio, mas por saber que iríamos ganhar pipas coloridas e bolinhas de gude. Também pela mania que tínhamos de se esconder um do outro, deixando nossa mãe preocupada, até saber que era apenas uma brincadeira.
Desde o início da caminhada até chegar ao seu final, que culminava com o quarteirão dos caçadores de relíquias, era possível encontrar desde moedas antigas e raras; rádios modelo capelinha a válvulas; revistas ilustradas O Cruzeiro com o personagem do Amigo da Onça; variedades imensas de ferramentas e utensílios domésticos; discos de vinil do Roberto Carlos até revistas em quadrinhos do Pato Donald, Mickey, Tio Patinhas entre outras.
Partindo de um lado do quarteirão, minha mãe tinha o cuidado de ir comprando primeiros os produtos mais pesados, para ficarem alojados no fundo do carrinho, como a mandioca, batata, abacaxi, laranja, cebola. Sobre eles, vinham a alface, banana, tomate, cebolinha e os temíveis ovos. A missão de carregar o carrinho pela feira era sempre minha. Nosso pai, fumando seu cigarro, apenas acompanhava e observava.
Voltando do lado oposto do quarteirão, que se tornara o fim da feira, nossa mãe escolhia um frango caipira, que vinha de ponta cabeça, com seus pés amarrados do lado de fora do carrinho. Chegando próximo de casa, era inevitável o encontro com os demais vizinhos, que como nós, também estiveram na feira, com a mesma finalidade de abastecer a fruteira e a geladeira.
Sem falar naqueles com suas sacolas de nylon, que optaram pelo supermercado, uma forma mais prática de fazer às compras. Por ser a única família, que tinha telefone fixo naquele quarteirão, era inevitável aqueles pedidos para usarem o telefone. Dona Anna, posso ligar para a minha filha? Seu Nelson, posso ligar para a minha mãe? Assim, de pedido em pedido, o alpendre da casa se transformava em um estacionamento de carrinhos e sacolas.
Como garotos curiosos, meu irmão cochichava ao meu ouvido – Vamos bisbilhotar o que eles compraram? De comum acordo, começávamos a peregrinação em busca de variedades e novidades. Com relação à feira, não tinha muito o que diferenciar, afinal todos compravam as mesmas coisas. Mas com relação ao supermercado, não precisava olhar muito para fazer as inevitáveis comparações, principalmente em termos de marca.
Apontando para os produtos, exclamávamos – Eles compram café em pó Quentinho, biscoito Crocante, açúcar Cristalino, arroz Soltinho, leite Matinal, macarrão Vistoso, margarina Cremosa, achocolatado Clássico, feijão Brotinho, refrigerante Fantasia. Ao término das ligações e das conversas paralelas, todos iam saindo apressados, na intenção de prepararem o almoço do domingo.
Depois de fazer sala às visitas, nossa mãe se dirigia à cozinha, pegava o avental e colocava água na chaleira para ferver. Se dizendo atrasada, era hora de sacrificar o pobrezinho do frango, depená-lo e cortá-lo em pedaços, uma vez que seria o prato principal do almoço. Diante de nossa curiosidade, em ver o frango ser abatido, ela ia logo dizendo – Se ficarem olhando com dó, o frango demora para morrer! Meu irmão me cutucava e dizia – Vamos jogar bola?
De volta à rotina da cozinha, era hora de esclarecer algumas curiosidades sobre as marcas diferentes que observamos nos carrinhos dos vizinhos. Ó mãe! Porque dona Alice usa café em pó Quentinho e nós o Saboroso? Porque está sempre na promoção. Porque seu Jairo compra refrigerante Fantasia e nós o Refrescante? Porque é tudo a mesma coisa! Porque dona Zulmira compra o achocolatado Clássico e nós o Tradicional? Porque é bem mais barato! Nossa mãe, tinha a resposta na ponta da língua.
Almoço pronto, hora de todos se assentarem à mesa, para degustarem uma macarronada ao molho bolonhesa; frango assado com batatas douradas; polenta com molho de carne moída; carne de panela recheada com legumes e outros quitutes. Como sobremesa, não podia faltar o pudim de coco com calda de caramelo. Depois de todos saciados e satisfeitos, muita conversa, brincadeiras e piadas.
Com a evolução natural de se comercializar, a feira foi perdendo seu espaço e seu glamour. Os supermercados, por sua vez, por venderem de tudo um pouco, foram se espalhando pela cidade. As folhas de jornais e saquinhos de papel, foram substituídos pelas sacolas plásticas. O popular carrinho de feira, deu lugar aos carrinhos de supermercados. As tradicionais sacolas de nylon, deram lugar as versáteis cestinhas.
O tempo foi passando e muitas coisas mudaram, neutralizando de certa forma a essência do que significava o domingo, no tocante à sua tradição. Que nunca deixou de ser um dia de “missa”, de “feira” e de “reunião com a família”, saboreando uma deliciosa macarronada. Os tradicionais encontros na feira se tornaram uma rotina nos supermercados.
As compras, por sua vez, trazidas juntas com as lembranças, vêm agora devidamente acondicionadas e trancafiadas no porta malas do carro.

Carlos R. Ticiano é advogado, romancista e colunista.

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Domingo, dia de feira