Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
O uso regular de dois suplementos de probióticos após a realização da cirurgia bariátrica pode ajudar a diminuir os sintomas de compulsão e vício alimentar nos pacientes um ano após a realização do procedimento cirúrgico. A constatação é de uma pesquisa realizada na Universidade Federal do Paraná (UFPR) com pacientes que foram operados no Hospital Irmandade Santa Casa de Curitiba.
A pesquisa foi conduzida pela nutricionista Lígia de Oliveira Carlos, doutora em Medicina Clínica Cirúrgica, e avaliou 101 pacientes que foram submetidos à técnica do bypass gástrico (método cirúrgico mais utilizado no Brasil e no mundo, em que o estômago é reduzido a 10% do tamanho original e parte do intestino é desviada, alterando a forma de absorção de nutrientes).
Os probióticos são micro-organismos vivos que quando administrados em quantidades adequadas conferem benefícios à saúde, inclusive trazendo equilíbrio à microbiota intestinal. Eles facilitam a formação da chamada barreira probiótica no intestino, inibindo o desenvolvimento de bactérias que causam doenças na microbiota intestinal. Segundo Lígia, estudos já mostraram que algumas cepas de probióticos (normalmente do gênero Lactobacillus e Bifidobacterium) têm ação no sistema nervoso (eles são chamados de psicobióticos) e, consequentemente, possuem efeito antidepressivos e ansiolíticos.
Assim, diz a nutricionista, surgiu a ideia de estudar se o uso desses probióticos teria algum efeito na redução dos sintomas de vício/dependência alimentar e transtorno da compulsão alimentar em pacientes que foram submetidos à cirurgia bariátrica.
“Já havia outras pesquisas na universidade avaliando o efeito dos probióticos no aspecto clínico dos pacientes, como na perda de peso, de percentual de gordura corporal, na redução da circunferência abdominal. Mas havia uma lacuna a respeito do efeito dessa suplementação no eixo intestino-cérebro. Decidi investigar se havia algum impacto nas questões psiquiátricas também”, explicou Lígia.
O estudo controlado
Os pacientes foram divididos em dois grupos: um recebeu suplementação de probiótico (Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium lactis) e outro recebeu placebo durante 90 dias após a cirurgia bariátrica, com início no sétimo dia de pós-operatório. Segundo Lígia, todos os participantes foram avaliados no pré-operatório e no pós-operatório aos 90 dias e 1 ano após a cirurgia. Todos foram operados pela mesma equipe cirúrgica e responderam a questionários validados internacionalmente para avaliação de vício ou compulsão alimentar.
Segundo o estudo, antes da cirurgia, 1/3 dos pacientes se enquadrava nos critérios diagnósticos de dependência ou compulsão alimentar – um número alto, mas esperado dentro dessa população de pessoas com obesidade que aguardava a cirurgia bariátrica. Os mesmos questionários foram aplicados 90 dias depois do início do uso dos suplementos e repetidos após um ano.
“Reaplicamos o questionário e nos primeiros 90 dias observamos uma redução drástica nos sintomas. Mas isso já era esperado, pois no início do pós-operatório o paciente bariátrico não pode e nem consegue comer muito. Então, não podemos dizer que foi efeito dos probióticos”, explicou a nutricionista.
Após 90 dias, o uso dos probióticos foi interrompido (o uso em excesso pode piorar a flora intestinal) e os pacientes voltaram a ser avaliados um ano após a cirurgia. “Observamos uma redução nos sintomas de vício e compulsão muito significativa em comparação com o grupo que recebeu placebo. Esses resultados abrem um caminho para uma série de questões que podem ser respondidas em outros estudos sobre o tema”, disse.
Há algumas hipóteses para explicar os resultados, mas Lígia ressalta que o objetivo principal da pesquisa não era identificar o mecanismo bioquímico envolvido. De acordo com ela, entre as possíveis explicações estão a modificação da própria microbiota intestinal depois da cirurgia, refletindo em uma melhora geral da qualidade da saúde. Esse, inclusive, é o tema de outra pesquisa que está sendo realizada na UFPR sobre o assunto – investigar se há mudanças significativas na microbiota intestinal do paciente que fez bariátrica.
Apesar dos resultados positivos, Lígia ressalta a suplementação de probiótico não é o mesmo que ingerir alimentos com probióticos – como iogurtes com lactobacilos vivos. Em geral, esses produtos são vendidos prontos ou manipulados em farmácias especializadas (o preço varia de R$ 60 a R$ 150 reais por mês), podendo conter cepas de micro-organismos em diferentes concentrações a depender do desfecho clínico que se espera.
A nutricionista diz ainda que não é qualquer probiótico que produz esse efeito e nem qualquer pessoa que poderá se beneficiar. Por isso, é importante que o uso seja orientado por um profissional especializado. Ela explica que o uso em excesso ou por tempo prolongado pode causar um efeito ruim e piorar o intestino, levando a um quadro com disbiose intestinal.
“A probioticoterapia não é mágica. Tudo nessa área ainda é muito novo, estamos ainda engatinhando. Por enquanto, temos mais perguntas do que respostas e é assim que a ciência vai evoluindo”, finalizou a pesquisadora.
Fonte: Agência Einstein