Sou mestre em filosofia, ainda não possuo doutorado, mas já passei por uma ocasião em que eu virei “doutor”. Certa vez, no centro de Marília, fui abordado por um estudante que pedia dinheiro para realização de sua festa de formatura. Ele me perguntou se eu era “formado” – como se existisse alguém “formado” neste mundo.
Disse que não era nada, que não acreditava nessa expressão, que a verdadeira formação do homem é um processo que leva a vida toda, mas apesar das minhas objeções, o rapaz perguntou se eu era advogado – para aquele pobre estudante, advogado é doutor.
Respondi que não cursei direito, que era mestre em filosofia. Só isso. Não sei o que se passava na cabeça daquele jovem para ele cismar que, como eu era mestre em filosofia, logo eu era advogado, ou “doutor”. E como vi que não havia jeito de convencer o graduando do que eu realmente sou em termos acadêmicos, desisti de argumentar e não o ajudei com a sua festa de formatura só de raiva.
Passado um quarteirão, um vendedor de sapatos me aborda na porta da loja com o mesmo “doutor”. Palavras do vendedor: “O doutor não quer comprar um par de sapatos hoje?”. Simplesmente ignorei o coitado. Devia estar tão desesperado, que resolveu mimar um potencial cliente.
Peguei a Avenida Sampaio Vidal em direção à Rua Nove de Julho, e mais uma vez me aparece um cara me chamando de “doutor”. Agora era um vendedor de queijos. “O Doutor não gosta de um queijinho?”. Foi aí que eu comecei a desconfiar de que havia algo errado. Por que três pessoas me chamaram de doutor?
Parei em frente a uma vitrine e me olhei dos pés à cabeça. Eu estava de camisa social longa, gravata, sapatos brilhando de novos e com gel no cabelo. Então pensei: “É, estou parecendo um ‘doutor’ mesmo, ainda mais com a barba feita e essa cara de mauricinho”.
E segui meu caminho até encontrar um ponto de táxi em frente ao camelódromo. E como eu já havia me tornado “doutor” – mesmo sem doutorado – pensei: “vou pegar um táxi para casa. Doutor não deve andar de ônibus”. E fui embora.

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