Há um tempo venho refletindo acerca da nossa capacidade mental de absorção de amizades intensas e sufocantes, conflitos relacionais no local de trabalho, crises com familiares, enfim, a figura do “outro” em nosso cotidiano pessoal. Qual o limite para suportar o “outro”? Algumas situações explicam o que quero propor:

  • Você vai para o trabalho pela manhã ouvindo a Jovem Pan e acumulando informação da política em forma de notícia. Neste momento o outro invadiu você, via notícia. Por minutos você vai pensar em um político corrupto e suas emoções vão corresponder. Seu stress vai aumentar por causa do protagonista em voga.
  • O motoqueiro cruza a sua frente e você quase bate. A ira avermelha seu rosto e o palavrão vem à ponta da língua, a menos que você tenha boa resiliência. Pronto! O rapaz da moto vai ficar em seus pensamentos por horas seguidas. A ira vai aflorar a cada lembrança do episódio.
  • No local de trabalho o cliente fala algo atravessado e, de imediato, gruda nas suas memórias. Entra em seu cérebro e por semanas este “outro” estará em você.
  • Quando está voltando para casa, recebe a notícia de que perdeu a causa do ex-colaborador malandro que o acionou na Justiça Trabalhista. Neste momento ele entra em você e nos próximos dois anos perturbará seu descanso.

Vamos acumulando o “outro” em nossa mente e, com nosso chip mental tomado totalmente pelos incontáveis “outros”, não conseguimos mais pensar em nós mesmos ou nos planejarmos como seres individuais. Não temos “cabeça” para as conversas bem humoradas, não temos interesse pelas amizades com vizinhos ou relacionamentos mais próximos.
Não é para menos que ouvimos as expressões de desabafo: Não quero ver ninguém hoje! Esqueçam de mim até o fim das férias! Não estou para ninguém! Estou cheio destas pessoas! Na verdade trata-se de uma forma de dizer: “O limite do ‘outro’ em mim foi ultrapassado”. Penso que fomos criados, cada um com um limiar de “outro” para o dia.
Lembre-se de que o mundo já foi essencialmente rural e as pessoas viviam com algumas parcas conversas ao longo do dia e alguns poucos relacionamentos. Sendo assim, todos tinham seus pequenos espaços públicos e seus vastos espaços privados. Tinham palavras e tinham silêncio, ambos na medida.
A figura do “outro” em excesso, traz esgotamento e fadiga emocional. Mas, o pior, é que o “outro” não tem culpa disso e nem ao menos sabe que está atormentando. De outra forma o outro, na medida, traz abraço, segurança, humor, relaxamento e até cura. Como é terapêutica a amizade que não enfada nem exaure.
O sábio Salomão escreveu: Não sejas frequente na casa do teu próximo, para que não se enfade de ti e te aborreça. (Provérbios 25: 17). Da mesma forma, há um limite de empatia, o que também trata-se do outro, mesmo porque o significado de empatia é: capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer.
O excesso de empatia também traz a aniquilação da serenidade do privado. Paulo, o apóstolo, nos orientou sobre a dedicação ao próximo: Nós, que somos fortes, temos o dever de suportar as fraquezas dos fracos, em vez de agradar a nós mesmos. (Romanos 15:1). Uma interpretação livre deste mandamento seria: Nós, na proporção das forças, temos o dever de suportar… Isso porque há gente tentando ajudar o próximo além das suas forças, portanto, logo serão dois precisando da ajuda de um terceiro.
Atendi uma senhora que desabafou: Como sustentáculo da família, ajudei financeiramente o meu irmão, cuidei de papai até o fim da vida, enquanto simultaneamente dediquei-me ao sobrinho com problemas de dependência química. Ao mesmo tempo cuidei dos empreendimentos, mas… quando menos esperava, meu casamento ruiu. A empatia além das forças também é excesso do outro. Que Deus nos ajude a discernir os limites das nossas forças.


Reverendo Marcos Kopeska é graduado em Teologia, pós-graduado em Terapia Familiar Sistêmica, pastor da 3ª Igreja Presbiteriana Independente de Marília, escritor, colunista, apresentador do Programa de TV ‘Vida em Gotas’ e conferencista em eventos para casais. Casado com Gislaine, é pai de Gabrielly e Lucas.

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