Um famoso jurista uruguaio, criador do decálogo do advogado, inseriu entre os seus mandamentos, a seguinte recomendação: “Luta pelo Direito. Mas sempre que encontrares um conflito entre o Direito e a Justiça, fica com a Justiça”.
Na verdade, embora Direito e Justiça existam para disciplinar normas de condutas, têm sentido e definições específicas. Assim, de um modo bem simples, o Direito pode ser definido como sendo um sistema de normas jurídicas para regular, de forma objetiva, as relações sociais, imposto por determinação legal e a que todos estão obrigados.
Justiça, porém, possui um espectro muito mais abrangente. Pode até ser definida, em um sentido mais amplo, como um sentimento que designa o respeito pelo direito de terceiros, a aplicação ou reposição do seu direito por ser maior em virtude moral ou material. Na concepção de Santo Tomás de Aquino, Justiça nada mais é do que dar a cada um o que é seu, segundo uma certa igualdade.
Em suma, o Direito é o veículo pelo qual se aplica a Justiça. O Direito é objetivo e pragmático. A Justiça depende do sentimento íntimo de quem a avalia. É, portanto, de natureza essencialmente subjetiva, conformando-se com a delicada estrutura psicológica de cada um.
A propósito, um famoso provérbio latino consagra a expressão “summa jus, summa injuria”, que significa ser o excesso de Justiça, aplicada sob a ótica e o império do Direito objetivo, evidente injustiça. O excesso do Direito, de definições definitivas e impermeáveis, pode acarretar efeito contrário à aplicação da Justiça razoável. Assim, quem furta um pão comete um crime passível de punição, porque assim determina o Direito. Mas a Justiça, provinda de corações piedosos, não seria sensível a essa solução? Outra, menos radical, não seria mais palatável, sem o rigor da pena criminal? Ao se abrandar a pena, a Justiça não seria mais aceitável? A visão pessoal de cada um certamente iria ditar a reprimenda ou o perdão. Para quem gosta de leitura, a obra excepcional do escritor Vitor Hugo, “Os Miseráveis”, dá a exata dimensão desse conflito quando relata a conduta dos principais protagonistas da história.
Abstraindo-se discussões filosóficas, a verdade é que as contradições e impasses entre Direito e Justiça sempre existirão e, ao menos no atual estágio da civilização, ainda não encontraremos tão cedo um mecanismo de conciliação entre um e outra.
Décio Divanir Mazeto é Juiz de Direito em Marília.