A otorrinolaringologista e médica do sono, Vera Moron, fala sobre doenças relacionadas ao sono, diagnóstico e tratamentos

Falar de saúde atualmente se tornou fundamental, especialmente pela fase que enfrentamos com a Covid-19. Mas ao mesmo tempo em que nos preocupamos com o vírus, há também outras doenças que permanecem em curso e que interferem não apenas na nossa qualidade de vida, como também na própria imunidade.
Com foco no sono e na pandemia, nessa entrevista, realizada originalmente para a TV Revista D Marília, buscamos orientações com uma das maiores especialistas do Brasil em Medicina do Sono e Otorrinolaringologia, Vera Moron. Confira a seguir.

D Marília: Atualmente, quais são os maiores problemas relacionados ao sono?
Vera Moron: Atualmente sabemos que o sono é muito importante e necessário em nossas vidas. As principais queixas do sono envolvem a má qualidade, o “dormir mal”, o que se relaciona frequentemente à quadros de apneia do sono (parada na respiração que ocorre durante o sono), distúrbios de respiração (incluindo a apneia e outros distúrbios respiratórios) e a insônia.

DM: É comum o paciente não saber ser portador da apneia?
VM: Com exceção do paciente insone, na maioria dos casos é o companheiro ou companheira do paciente que relata o ronco e a qualidade ruim do sono.

DM: Também há casos de pessoas que acordam cansadas, não é mesmo?
VM: Em termos de sono, temos sintomas que ocorrem durante a noite e durante o dia. Os sintomas diurnos envolvem o cansaço, dificuldade de aprendizado e memorização, por exemplo. Quem dorme mal geralmente não atinge uma fase do sono chamada REM, o que pode desencadear prejuízos para o aspecto cognitivo da pessoa, que passa a sofrer com falta de memória, desânimo, dores musculares e até mesmo tendência à depressão. Já os sintomas noturnos são o ronco, os despertares sufocados e o sono interrompido, gerando uma qualidade do sono ruim em geral.

DM: O que podemos falar sobre as fases do sono e sua importância para o corpo, em geral?
VM: Temos a fase superficial, com estágios 1 e 2, e a fase profunda, que engloba o estágio 3 e o sono REM, no qual há o metabolismo de nossos hormônios. Temos, por exemplo, o hormônio do crescimento (GH), que é produzido durante essa etapa do sono. Portanto, se você não atinge o sono REM, não produzirá o hormônio de crescimento, que na idade adulta é responsável por nos dar o vigor da vida. Sem o sono REM é comum ficarmos depressivos e é exatamente o que ocorre na apneia do sono. O paciente dorme e tem paradas na respiração, que provocam a queda do oxigênio, que produzem pequenos despertares como consequência. Esse despertar impede de que a pessoa atinja o sono REM, tendo um sono mais superficial. No dia seguinte, ela acorda cansada e com a parte cognitiva reduzida, com o que chamamos de sonolência excessiva diurna, que pode fazer com que a pessoa durma enquanto está na sala de espera do médico, assistindo televisão ou até mesmo dirigindo. Houve até mesmo um projeto de lei para que todos os motoristas de ônibus e caminhões fossem submetidos ao exame do sono, a chamada polissonografia. Porém, devido aos custos do exame e poucos laboratórios disponíveis, ela não vigorou. Hoje, no entanto, o médico do trabalho que perceba características apneicas de um motorista, como a obesidade e o pescoço muito largo, por exemplo, podem realizar a solicitação do exame para realizar um diagnóstico mais preciso.

DM: Atualmente percebemos que as pessoas recorrem muito a ansiolíticos e antidepressivos para dormir melhor, principalmente entre jovens, não é mesmo?
VM: É verdade. Isso ocorre porque a pessoa que dorme mal costuma recorrer a um calmante. E na realidade não se busca tratar o fator causal. Se o paciente é insone, ele precisa tomar o remédio, mas também precisa de uma terapia cognitiva do sono. E há medicamentos como a melatonina, chamada também de hormônio do sono. O insone geralmente não produz a melatonina, então muitas vezes é preciso repô-la de forma artificial.
Nós seguimos o chamado ritmo circadiano, regidos pelo nosso hormônio do dia, que é o cortisol natural, nos proporcionando vigor; e durante a noite produzimos o hormônio do sono (melatonina), responsável por manter o sono. Então a pessoa que não dorme bem, o insone, geralmente tem pouca produção de melatonina e essa reposição é necessária. Mas não adianta apenas repor a melatonina e ficar na frente da televisão, do computador ou celular. É precisa ficar em ambiente de pouca luminosidade e também criar uma rotina. O que potencializou a insônia durante a pandemia foi o fato de as pessoas começarem a passar muito tempo em frente à TV e acabaram dormindo não fisiologicamente, pela presença da melatonina do ciclo circadiano, mas pela exaustão. Quanto mais exposição à luz, menos produção de melatonina nós teremos. E então ficamos sem o sono fisiológico. Para tratar, podemos associar uma medicação indutora do sono com a melatonina, que tem que ser tomada por vários meses, mas o principal é a parte da cognição, do ‘entender o sono’, com um psicólogo.

DM: Qual exame pode ajudar a tratar os problemas para dormir?
VM: É possível realizar o diagnóstico de doenças do sono com a polissonografia, que é um estudo do sono no qual a pessoa passa uma noite na clínica e será monitorada com eletroencefalograma, cardiograma, avaliação dos movimentos de perna e principalmente da parte respiratória. Com o eletro fazemos o estadiamento do sono, avaliando se o paciente está em sono superficial ou profundo. Na parte respiratória vamos identificar se há eventos de apneia, hipopneia, se há queda na oxigenação do sangue. Então dentro desse estudo conseguimos elaborar um relatório que nos oferece o possível diagnóstico do distúrbio do sono que a pessoa apresenta e até mesmo classificar a gravidade, como na apneia, que pode ser leve, moderada e grave. De acordo com essa classificação que o exame nos dá, partimos para os tratamentos.

DM: E como são os tratamentos?
VM: A pessoa pode ter apneia leve, moderada e grave. Nas moderadas e graves, indicamos o Cpap (Continuous Positive Airway Pressure em inglês, ou Aparelho de Pressão Aérea Positiva Controlada). Quem faz apneia do sono tem um colapso, um fechamento que vai do nariz até a garganta, que impede a respiração. E o Cpap é um compressor de ar que introduz ar sob pressão para as vias aéreas. E através do aparelho você controla a pressão de ar que necessita receber para ficar sem as apneias. Já em apneias de grau leve, indicamos as cirurgias de otorrinolaringologia e aparelhos intraorais, chamados de reposicionadores de mandíbula, feitos por dentistas. O aparelho traciona a mandíbula para frente e libera a orofaringe, assim o ar consegue passar para ir direção ao pulmão, evitando a apneia.

DM: Vemos alguns equipamentos na internet, por exemplo, que prometem ajudar com a apneia. Eles são confiáveis?
VM: Não, não são. Numa época foi comum falarem da queixeira, que é um acessório que usamos junto ao Cpap, no caso de um paciente que abre muito a boca durante o sono. Mas ela começou a ser vendida na internet como um “milagre”, mas isso não é real. Sem fazer a polissonografia e sem classificar qual é a gravidade do problema, ela pode inclusive oferecer riscos para o paciente quando usados sem qualquer análise ou prescrição médica.

DM: Qual o impacto de um tratamento na vida do paciente que sofre com a apneia?
VM: Os pacientes relatam uma mudança bruta na qualidade de vida, tanto após a cirurgia quanto após o início do uso do Cpap. O caminho para tratar é, quando a pessoa tem um distúrbio de sono, qualquer que seja, não dorme bem, ronca, acorda cansado, é preciso então procurar um médico, um clínico, um geriatra, um otorrino, um neurologista, queixando-se sobre o sono. Então o médico vai solicitar o estudo do sono, e a partir daí podemos oferecer um diagnóstico preciso.

SAIBA MAIS
A Clínica do Sono está equipada para realizar os exames necessários para o diagnóstico de doenças do sono. O consultório da otorrinolaringologista está situado na Rua José Bertonha, 163, Jardim Tangará, telefone (14) 3433-1660. A Clínica do Sono fica na Rua 21 de Abril, 295, Jardim Maria Isabel, fone (14) 3454-2724.

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