Uma epidemia à vista

O ser humano é profundamente relacional, aliás, parece ser uma característica destas que chamaríamos de “um pitaco de Deus na personalidade dos homens mortais.” Nossa capacidade e nossa necessidade de relacionamento são intrínsecos da natureza humana. Boas amizades geram confiança mútua e contribuem com a autoestima. Namoros saudáveis fazem o caminho para um casamento durável. Casamentos serenos e sábios transformam-se em legados para as gerações. Nossos relacionamentos também são como remédio para épocas enfermiças da vida. Um neurocientista da Universidade de Virgínia publicado na Reuters comprovou que segurar a mão do marido alivia estresse. Mulheres casadas que estejam estressadas sentem um alívio imediato – comprovável em imagens do cérebro – ao segurar a mão do marido, desde que tenham um bom relacionamento com ele. James Coan, que comandou a pesquisa, utilizou dezesseis casais considerados felizes e se disse surpreso com o impacto de um gesto tão simples nos níveis de estresse das mulheres. Por outro lado, é crescente o número de queixas de relacionamentos que adoentam pessoas, os quais denominamos relacionamentos tóxicos. Nestas relações ou um, ou ambos, se adoentam. Mas pasmem, apesar de adoentado, não consegue se ver livre da relação. É o “bate e assoprar”. Popularmente chamamos esta relação de amor doentio, em se tratando de um casal. Para que você entenda melhor estas relações deformadas e complexas, citamos os estudos de Daniel Goleman, psicólogo e fisiologista que vem quebrando muitos paradigmas sobre o comportamento humano. Digamos que um casal briga, discute e usa palavras pesadas um para com o outro durante um dia de desentendimento em razão de banalidades do cotidiano. Mas o conflito se acentua no dia seguinte e o sangue de ambos vai ficando encharcado de adrenalina. A adrenalina, por sua vez, lhes enche de coragem para partirem para intimidações e tortura psicológica. Os filhos estão em pânico. A esposa respira ameaças de separação e divórcio. A casa virou um inferno e no terceiro dia, com contínuas descargas de adrenalina só resta um dos dois pegar as malas e sair de casa. Mas acontece que mais ou menos no terceiro dia de tensões extremas, a adrenalina chega no patamar de saturação e imediatamente despenca. Isso é fisiológico. Cai ao nível zero e o corpo libera uma dose alta de endorfina, de uma só vez. A endorfina, por sua vez, traz a sensação de paz e bem estar. A noite, este mesmo casal agora vai se amar, se perdoar e prometer que o conflito nunca mais vai se repetir. Acontece que este “nunca mais” dura sessenta dias e novamente começam as rusgas, que se transformam em farpas, que evoluem para gritos, que quase culminam em tapas… Terceiro dia… a adrenalina cai e o corpo recebe uma descarga de endorfina. Novamente o perdão, e o sexo e as juras de amor eterno. Certamente este casal fará amor com mais prazer e encanto, sob o efeito de uma alta dose de endorfina. Mas este processo vicia e o casal, dali mais dois meses estará no mesmo ciclo. Já viu casais assim? As pesquisas dizem que as áreas do cérebro deste casal ativadas neste ciclo, depois de algumas repetições, serão as mesmas áreas identificadas em viciados em álcool ou drogas químicas. Pasmem. Estes casais não se separam, porque o que os une é as doses de endorfina prometidas pelo organismo a cada briga.  São relações tóxicas. Ambos estão adoentados e viciados nesta doença. Os filhos estão amedrontados e os amigos mais próximos preocupados. Por vezes, na relação, um se empodera e achata a autoestima do outro com atitudes e palavras. Martin Luther King Jr. em um dos seus eloquentes discursos contra a intolerância: “Ou todos aprendemos a conviver como pessoas, ou morreremos todos como animais”. O amor de alguns casais faz diferença para a saúde, outros para a doença e, segundo Daniel Goleman, os matrimônios podem ser de dois tipos: proteger-nos das doenças ou adoentar-nos. Em um estudo realizado, 100 homens e mulheres usaram dispositivos que mediam sua pressão arterial sempre que eles interagiam com outras pessoas. Quando estavam com a família e os amigos, a pressão arterial caía; eram interações agradáveis e tranquilizantes. Quando interagiam com alguém problemático, a pressão se elevava. No entanto, o maior salto ocorreu quando estavam com pessoas a respeito das quais se sentiam ambivalentes: um pai ou uma mãe autoritários, um parceiro amoroso volátil, um amigo competitivo. O ambiente da família tornou-se estressante a ponto de casamentos com alto nível de estresse já figuram no grupo de risco para as doenças cardiovasculares. Pois bem, a questão não é identificar e a seguir apelar para o divórcio, mas aceitar que há um problema relevante na relação, buscar tratamento e investir na saúde emocional de ambos. 

Marcos Kopeska – Bacharel em Teologia (UMESP), pós graduando em Terapia Familiar Sistêmica (INDEP), pastor da 3ª Igreja Presbiteriana Independente de Marília e escritor.

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Relacionamentos tóxicos