Será que as mudanças apenas ficarão estabelecidas pelas máscaras de tecido combinando com a roupa, peças em tie-dye, no melhor do DIY do isolamento, desfiles que marcavam a temporada e lotavam locações diversas transportando essa magia para short vídeos sem plateia? Ou teremos transformações que poderão ser mais profundamente sentidas?

Costumo dizer aos meus alunos que, na minha opinião, a área da moda é uma das mais antropológicas que existe, de forma que podemos conferir toda a situação político-econômica-sociológica que o mundo de forma globalizada está enfrentando na sua atualidade através do comportamento de consumo das pessoas e até na forma como se vestem!

Um ótimo exemplo disso, já no século XX, foi toda a transformação da moda após a 1ª Guerra Mundial  (1914-1918), momento muito pesado da história e todo o luto vivenciado refletiu no guarda roupa feminino através da sobriedade e da inclusão da preocupação do conforto, pois as mulheres começaram a trabalhar em fábricas, no campo, reparando locomotivas ou qualquer outra função das muitas que foram impostas. Aqui temos o apelo das mulheres usando calças, embora tivesse sido uma aposta no início do século para o estilista Paul Poiret, porém foi popularizada pela grande figura de – uma das mais emblemáticas na História da Moda – Gabrielle Bonheur Chanel, que surge nesse cenário e tem como marca registrada em suas coleções o minimalismo e a elegância, bem como a utilização de calças para mulheres, como dito anteriormente.

Outra ousadia da mesma estilista foi o lançamento do Black Dress, muito por causa da cor que apenas era usado por quem estava de luto.

E no decorrer da história eclode a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) e mais uma vez a sociedade sente essa mudança em muitas áreas e não menos importante, a que falamos neste artigo, a moda.

Nesse momento tão conturbado novamente as pessoas não tinham o consumo de roupas como prioridade, portanto o consumo declinou e muitas maisons fecharam em Paris – grande berço da Alta Costura, pois os principais nomes da moda precisaram buscar abrigo fora da França. Embora a Alemanha tenha tentado destruir a indústria francesa de costura, o Presidente da Câmara sindical da época, Lucien Lelong, defendeu a permanência desse setor por lá. Desta forma, os estilistas que permaneceram tiveram que pensar em alternativas para acompanhar essa nova realidade e os tecidos mais refinados foram trocados pelos de fibras sintéticas como rayon e viscose. E influenciado pelos uniformes dos militares, as roupas femininas passaram a ser mais fechadas e ter mais bolsos utilitários.

E mesmo com todos os requisitos que a classe tinha que enfrentar como racionamento de tecidos e outras exigências, a moda sobreviveu à guerra. E mais do que isso, se transformou. Pode-se ver a mudança da silhueta das roupas da época e um dos grandes conhecidos por isso foi Dior, com seu New Look. Que consistia em um uma saia e um blazer numa linha mais sensual e feminina.

Uma outra consequência bem significativa no final da Guerra foi a produção em larga escala de um mesmo modelo em numerações diferentes, com o nome de ready-to-wear. Esse sistema é conhecido mundialmente como prêt-a-porter, batizado quando a ideia foi enviada para a França. Esse é o sistema que usamos atualmente, ou seja, vamos nas lojas e vemos as numerações disponíveis para os modelos que queremos, certo? Pois então. Antes da produção em larga escala, a moda era feita sob encomenda. E esse formato surgiu para fomentar o consumo nos tempos difíceis da época e hoje é um dos pilares da produção de roupas. Temos o Fast Fashion também, mas isso é assunto para outro artigo, ok?

No retorno dos dias atuais, me vejo pensando no que essa situação de pandemia/isolamento possa refletir. Vemos um aumento crescente de desigualdade social surgindo, pessoas perdendo empregos, empresários com décadas de história se vendo obrigados a fecharem suas portas e outros exemplos desse cenário caótico que acredito não ter passado nas nossas cabeças que podia acontecer. Se eu puder pedir licença para deixar minha humilde opinião sobre o que podemos esperar daqui para frente será o consumo consciente e eficiente. Não haverá espaço para compulsão. Pelo menos para a grande maioria das pessoas e a reeducação de consumo deverá ser inclusa como necessidade bem como boa prática. Reforço aqui que não estou impondo nenhuma regra de como deve ser nada. É só minha opinião. A única coisa que eu gostaria mesmo de impor é que possamos nos obrigar a sermos felizes, pois se este momento ensinou alguma coisa, foi a de que não temos certeza de nada. Mas será que, antes disso tínhamos certeza de alguma coisa?

Ana Larissa Rizzo é especialista em Negócios da Moda. É professora universitária, supervisora de vendas e merchandising e consultora de imagem e estilo para pessoa física e varejo.

Instagram: @ana.lari.rizzo

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Há futuro para a moda após a pandemia?